_________________________________________________

_____________________________________________________________________________________________

28 de jan. de 2012

Oposição sem Rumo

por Marco Antonio Villa

Nesta semana fomos surpreendidos por uma entrevista de Fernando Henrique Cardoso. Não pela entrevista, claro, mas pela análise absolutamente equivocada da conjuntura brasileira. Esse tipo de reflexão nunca foi seu forte. Basta recordar alguns fatos.

Em 1985 iniciou a campanha para a Prefeitura paulistana tendo como aliados o governador Franco Montoro e o governo central, que era controlado pelo PMDB, além da própria Prefeitura, sob o comando de Mário Covas. Enfrentava Jânio Quadros, um candidato sem estrutura partidária, sem programa e que entrou na campanha como livre atirador. Fernando Henrique achou que ganharia fácil. Perdeu. No ano seguinte, três meses após a eleição municipal, propôs, em entrevista, que o PMDB abandonasse o governo, dias antes da implementação do Plano Cruzado, que permitiu aos candidatos da Aliança Democrática vencer as eleições em todos os Estados. Ele, aliás, só foi eleito senador graças ao Cruzado.

Passados seis anos, lutou para que o PSDB fizesse parte do governo Fernando Collor. Ele seria o ministro das Relações Exteriores (e o PSDB receberia mais duas pastas). Graças à intransigência de Covas, o partido não aderiu. Meses depois, foi aprovado o impeachment de Collor. Em 1993, contra a sua vontade, foi nomeado ministro da Fazenda por Itamar Franco. Não queria, de forma alguma, aceitar o cargo. Só concordou quando soube que a nomeação havia sido publicada no Diário Oficial (estava no exterior quando da designação). E chegou à Presidência justamente por esse fato - e por causa do Plano Real, claro.

Em 2005, no auge da crise do mensalão, capitaneou o movimento que impediu a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Lula. Espalhou aos quatro ventos que Lula já era página virada na nossa História e que o PSDB deveria levá-lo, sangrando, às cordas, para vencê-lo facilmente no ano seguinte. Deu no que deu, como sabemos. Agora resolveu defender a tese de que a oposição tenha um candidato presidencial, com uma antecedência de dois anos e meio do início efetivo do processo eleitoral. É caso único na nossa História. Nem sequer na República Velha alguém chegou a propor tal antecipação. É uma espécie de dedazo, como ocorria no México sob o domínio do PRI. Apontou o dedo e determinou que o candidato tem de ser Aécio Neves. Não apresentou nenhuma ideia, uma proposta de governo, nada. Disse, singelamente, que Aécio estaria mais de acordo com a tradição política brasileira. Convenhamos que é um argumento pobre. Ao menos deveria ter apresentado alguma proposta defendida por Aécio para poder justificar a escolha.

A ação intempestiva e equivocada de Fernando Henrique demonstra que o principal partido da oposição, o PSDB, está perdido, sem direção, não sabendo para onde ir. O partido está órfão de um ideário, de ao menos um conjunto de propostas sobre questões fundamentais do País. Projeto para o País? Bem, aí seria exigir demais. Em suma, o partido não é um partido, na acepção do termo.

Fernando Henrique falou da necessidade de alianças políticas. Está correto. Nenhum partido sobrevive sem elas. O PSDB é um bom exemplo. Está nacionalmente isolado. Por ser o maior partido oposicionista e não ter definido um rumo para a oposição, acabou estimulando um movimento de adesão ao governo. Para qualquer político fica sempre a pergunta: ser oposição para quê? Oposição precisa ter programa e perspectiva real de poder. Caso contrário, não passa de um ajuntamento de vozes proclamando críticas, como um agrupamento milenarista.

Sem apresentar nenhuma proposta ideológica, a "estratégia" apresentada por Fernando Henrique é de buscar alianças. Presume-se que seja ao estilo petista, tendo a máquina estatal como prêmio. Pois se não são apresentadas ideias, ainda que vagas, sobre o País, a aliança vai se dar com base em qual programa? E com quais partidos? Diz que pretende dividir a base parlamentar oficialista. Como? Quem pretende sair do governo? Não será mais uma das suas análises de conjuntura fadadas ao fracasso?

O medo de assumir uma postura oposicionista tem levado o partido à paralisia. É uma oposição medrosa, envergonhada. Como se a presidente Dilma Rousseff tivesse sido eleita com uma votação consagradora. E no primeiro turno. Ou porque a administração petista estivesse realizando um governo eficiente e moralizador. Nem uma coisa nem outra. As realizações administrativas são pífias e não passa uma semana sem uma acusação de corrupção nos altos escalões.

O silêncio, a incompetência política e a falta de combatividade estão levando à petrificação de um bloco que vai perpetuar-se no poder. É uma cruel associação do grande capital - apoiado pelo governo e dependente dele - com os setores miseráveis sustentados pelos programas assistencialistas. Ou seja, o grande capital se fortalece com o apoio financeiro do Estado, que o brinda com generosos empréstimos, concessões e obras públicas. É a privatização em larga escala dos recursos e bens públicos. Já na base da pirâmide a estratégia é manter milhões de famílias como dependentes de programas que eternizam a disparidade social. Deixam de ser miseráveis. Passam para a categoria da extrema pobreza, para gáudio de alguns pesquisadores. E tudo temperado pelo sufrágio universal sem política.

Em meio a este triste panorama, não temos o contradiscurso, que existe em qualquer democracia. Ao contrário, a omissão e a falta de rumo caracterizam o PSDB. Para romper este impasse é necessário discutir abertamente uma proposta para o País, não temer o debate, o questionamento interno, a polêmica, além de buscar alianças programáticas. É preciso saber o que pensam as principais lideranças. Numa democracia ninguém é líder por imposição superior. Tem de apresentar suas ideias.

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)

Genesis - Firth of Fifth

26 de jan. de 2012

Cadê o Procurador da República Manoel Pastana?

Nem mesmo a imagem em cache de seu site está mais disponível. Clique para ampliar.


Há um texto dele que preservei em 25/09/2011.

25 de jan. de 2012

A tirania do Estado sobre o indivíduo

Delinquentes comuns

por Yoani Sanchez


Em memória de Wilman Villar Mendoza

Há um par de anos o meu amigo Eugenio Leal decidiu tirar uma certidão de bons antecedentes, trâmite indispensável para solicitar certos empregos. Confiante foi buscar a folha que diria que não havia sido julgado por nenhum delito, porém ao invés disso deparou-se com uma desagradável surpresa: aparecia como perpetrador de um “roubo com força” no povoado onde havia nascido, mesmo que jamais tenha furado um sinal vermelho. Eugenio protestou porque sabia que aquilo não era um erro burocrático nem uma simples casualidade. Sua ação como dissidente o havia feito vítima de comícios de repúdio, prisões, ameaças e agora lhe trazia, além disso, uma mancha em sua folha corrida. Havia passado a ser um opositor com um passado de “delinqüente comum”, o que se torna muito útil para a polícia política para desacreditar.

Se nos deixarmos guiar pela propaganda governamental, nesta Ilha não há uma só pessoa decente, preocupada com o destino da nação, mas sim crimes cometidos por quem se opõe ao sistema. Todo aquele que critica é imediatamente tachado como terrorista ou vendilhão da pátria, malfeitor ou amoral. Acusações difíceis de “desmentir” num país onde a cada dia a maioria dos cidadãos tem que cometer várias ilegalidades para sobreviver. Somos 11 milhões de delinqüentes comuns, cujas tropelias vão desde comprar leite no mercado negro até ter uma antena parabólica. Desertores de um código penal que nos asfixia, fugitivos do “tudo é proibido”, evadidos de uma prisão que começa com a própria Constituição da República. Somos uma população quase penitenciária a espera que a lupa do poder passe sobre nós, tateie nossas vidas e descubra a última infração cometida.

Agora, com a morte de Wilman Villar Mendoza, volta a se repetir o velho esquema do insulto estatal. Uma nota no jornal Granma o descreveu como um vulgar malfeitor e talvez prontamente na TV um programa – de viés estalinista – apresentará as presumidas vítimas dos seus abusos. O objetivo é subtrair impacto político a morte deste cidadão de 31 anos condenado em novembro por desacato, atentado e resistência. A propaganda oficial tentará tirar importância da sua greve de fome e fará cair sobre seu nome todo tipo de adjetivos depreciativos. Veremos também o testemunho – quebrando o juramento hipocrático – dos médicos que o atenderam e provavelmente até a própria mãe deporá contra o filho defunto. Tudo isto porque o governo cubano não pode permitir que reste um resquício de dúvida na mente dos telespectadores comuns. Seria muito perigoso que as pessoas comecem a acreditar que um opositor possa sacrificar sua vida por uma causa, ser um bom patriota e até um homem decente.

Traduzido por Humberto Sisley de Souza Neto

23 de jan. de 2012

Beto Guedes

Choveu

Era menino


Entrevista com Célio Bermann, ex-assessor de Dilma. Ou: uma visão parcial sobre Belo Monte e também, sobre o funcionamento da máquina governamental.

por Eliane Brum

- Por que o senhor, assim como outras pessoas que estudam o setor, afirma que a área energética do país é uma “caixa preta”. Afinal, que caixa preta é essa?
Célio Bermann – A política energética do nosso país é uma caixa preta e é mantida dessa forma por uma série de razões. Primeiro, porque a baixa escolaridade da população brasileira não permite, por exemplo, que o leitor da Época entenda o que é terawatts-hora. Mas seria interessante que a população toda tivesse conhecimento e pudesse, com informação, começar a definir junto com empresas e governo os rumos que são mais adequados. Acho que a academia tem um papel fundamental nesse processo. Eu, particularmente, tento, na área do meu conhecimento, procurar as populações tradicionais, mostrar o que é uma usina hidrelétrica, por que alaga quando você interrompe o fluxo, o que é uma barragem, e como isso vai acabar transformando a vida da comunidade. Acho importante que a academia preste esse tipo de informação, já que governo e empresas não o fazem.

- Sim, mas por que o setor energético tem sido uma caixa preta por décadas?
Bermann -
A governabilidade foi encontrada através de uma aliança que mantém o círculo de interesses que sempre estiveram no nosso país. É a mesma turma que continua na área energética. E isso é impressionante. A população não participa do processo de decisões. Não existem canais para isso. Ainda no governo FHC, durante a privatização, o governo criou um Conselho Nacional de Política Energética. Nos dois mandatos de FHC participavam os dez ministros, mas havia um assento para um representante da academia e um da chamada sociedade civil. Eles sentavam, discutiam as diretrizes energéticas de uma forma aparentemente saudável, mas, no frigir dos ovos, na prática não mudava nada. De qualquer forma, havia pelo menos esse sentido de escutar. Isso, com Lula, acabou. O resultado do governo “democrático popular” do Lula, nos dois mandatos, e da Dilma, agora, é a negação de escutar outros interesses que não sejam aqueles que sempre estiveram junto ao poder. A própria Dilma, no início do governo Lula, tinha uma dificuldade muito grande de ouvir, de sentar-se com os movimentos sociais e ouvir. Eu tive a oportunidade de vivenciar o primeiro mandato do Lula, lá, em Brasília.

- E qual era o seu papel?
Bermann –
Era apagar fogo, este era o meu papel…

- Mas, oficialmente…
Bermann –
O meu papel era tentar amenizar um pouco os conflitos, mas, oficialmente, eu fui trabalhar com a Dilma como assessor ambiental no Ministério de Minas e Energia. A ideia inicial era criar uma Secretaria de Meio Ambiente dentro do ministério. Era a época em que tínhamos a Marina (Silva) falando em transversalidade, então havia um ambiente extremamente propício para aparar arestas e ver se a coisa poderia caminhar de uma forma mais adequada. Achei, então, que a melhor forma de fazer isso não era criar um lugar dos ambientalistas no ministério, mas colocar em todas as secretarias do ministério gente que pensasse o meio ambiente. Mas acabei ficando um ano lá em Brasília. Mesmo assim, foi extremamente interessante, porque me permitiu sair da academia e ter, na prática, a percepção de como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo.

- E como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo?
Bermann –
É um horror. É uma lentidão. É um imobilismo. É incrível a capacidade da máquina de governo de fazer de conta que faz sem estar fazendo absolutamente nada. Eu falo isso com todos os pontos nos “is”. No início do governo se buscava um entendimento entre os chamados “ministérios fins” e o meio ambiente. Transportes, por causa da construção de estradas e portos, e Minas e Energia, por causa da atividade mineral, metalúrgica e energética, e as questões ambientais que são intrínsecas a essas atividades. Houve uma boa intenção de levar adiante a possibilidade do estabelecimento de pontos comuns. Fizemos, então, um acordo entre Ministério de Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente em função da definição de “pontos comuns”, de procurar verificar onde poderíamos estabelecer alguns consensos. Era um documento em que se definia uma agenda energética e ambiental comuns aos dois ministérios. Se bem me lembro, o documento foi concluído em setembro de 2003. Mas as duas ministras só foram assinar em 31 de março de 2004.

- Por quê?
Bermann –
Boa pergunta. Por quê? Boas intenções… mas por quê? Eu realmente não consigo definir exatamente se era uma questão de veleidade… não sei. No final de 2003 a Marina começou a perceber a dificuldade de ela continuar, e o Lula, daquele jeito dele, deixando a coisa acontecer. Naquele momento, o governo poderia ter tido uma agenda comum, um processo extremamente positivo de entender que existem usinas hidrelétricas que não devem ser construídas.

- Imagino que não era fácil ser assessor ambiental da Dilma Rousseff…
Bermann –
É, foi uma coisa meio… difícil. Como falei, eu tinha uma relação particular com os movimentos sociais e estava mais numa situação de bombeiro. Vou te contar uma coisa, como referência. Eu encontrei a Dilma na posse do (físico) Luiz Pinguelli Rosa, no Rio de Janeiro, como presidente da Eletrobrás. Ela estava extremamente satisfeita, alegre, contente, porque tinha conseguido, politicamente, afastar a turma do (José) Sarney da seara energética. (Luiz Pinguelli Rosa deixaria o cargo em 2004, a pedido de Lula, que precisava colocar alguém ligado ao PMDB e a José Sarney.) Para você ver. Na época, o (José Antonio) Muniz (Lopes) era diretor da Eletronorte… e depois tornou-se presidente da Eletrobrás (de 2008 a 2011).

- O José Antonio Muniz Lopes, um homem da cota do Sarney, é um personagem longevo nessa história de Belo Monte… Só para situar os leitores, em 1989, no último ano do governo Sarney, ele era diretor da Eletronorte e foi no rosto dele que a índia caiapó Tuíra encostou seu facão por causa da proposta de Belo Monte (então chamada de Kararaô), naquela foto histórica que correu mundo. O tal do Muniz já estava lá… Depois de deixar a presidência da Eletrobrás, no início deste ano, continuou lá, agora como diretor de Transmissão da Eletrobrás…
Bermann –
Pois então. Naquela época, em 2003, era ele o diretor da Eletronorte que a Dilma tinha ficado feliz por ter conseguido afastar. Por isso que eu falo que não é o governo Lula, é o governo Lula/Sarney. E agora Dilma/Sarney. Constituiu-se um amálgama entre os interesses históricos do superfaturamento de obras, sempre falado, nunca evidenciado. Não se trata de construir uma usina para produzir energia elétrica. Uma vez construída, alguém vai precisar produzir energia elétrica, mas não é para isso que Belo Monte está sendo construída. O que está em jogo é a utilização do dinheiro público e especialmente o espaço de cinco, seis anos em que o empreendimento será construído. É neste momento que se fatura. É na construção o momento onde corre o dinheiro. É quando prefeitos, vereadores, governadores são comprados e essa situação é mantida. Estou sendo muito claro ao expor a minha percepção do que é uma usina hidrelétrica como Belo Monte.

- No momento em que o senhor encontrou a Dilma, logo na constituição da equipe do primeiro mandato de Lula, o senhor conta que ela estava feliz porque tinha conseguido tirar a turma do Sarney do comando da área energética. O que aconteceu a partir daí?
Bermann –
A pergunta é: tirou mesmo?

- E qual é a resposta?
Bermann –
Naquele momento, manter esse pessoal à distância era estratégico para reconstruir as relações e viabilizar algumas das diretrizes que tinham sido objeto da proposta de governo. O que aconteceu é que a vida dessa situação (de afastamento) foi extremamente curta devido às relações de poder. Eles não gostaram de se sentir afastados. E eu suponho que a percepção do problema da governabilidade no governo Lula foi uma ação desses setores que tinham percebido que estavam longe da teta da vaca e que não podiam continuar assim. Qual era o jeito de fazer? PMDB era oposição. Vamos conversar… E aí se reacomodam as questões. Eu não digo que seja um grupo de ladrões mercenários. Não é isso que está em jogo. Mas essa capilaridade do Sarney permite manter o usufruto do poder. Eu não sou psicólogo para entender o que o senhor Sarney pensa quando vê o Muniz voltar para o governo, ou quando se encontra diante da incapacidade técnica do senador Edison Lobão ao conduzir o Ministério de Minas e Energia no governo Lula e agora no de Dilma. Não há lógica para isso. Vou dizer de novo: não é possível a gente acreditar na capacidade gerencial de um governo que se submete a esse tipo de articulação política, colocando uma pessoa absolutamente incapaz de entender o que é quilowatt, quilowatt-hora. De ir a público sem saber a diferença entre tensão em volts e energia em quilowatts-hora.

- O senhor está falando do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão?
Bermann-
Edison Lobão.

- E Belo Monte ocupa que lugar nesse jogo?
Bermann -
É a oportunidade de se fazer dinheiro e de se reconstituir as relações de poder. Essa obra tinha sido sepultada em 1989, por conta da mobilização da população indígena, e voltou à tona no governo Lula, aprovada pelo Congresso (em 2005) com o discurso de que era um novo projeto.

- A ameaça de retomar Belo Monte esteve presente também durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas só no governo Lula saiu mesmo do papel, o que ninguém imaginava que acontecesse, devido ao apoio massivo dos movimentos sociais da região à campanha de Lula. O senhor acha que o fato de Belo Monte ter saído do papel tem a ver com a denúncia do Mensalão, em 2005, e a recomposição das forças políticas para a eleição de 2006?

Bermann - Não tenho a mínima ideia. Mas vamos falar em cifras, agora. Em 2006 o projeto foi anunciado com um custo de R$ 4,5 bilhões. Você sabe, as cifras avançaram violentamente. Antes de ir para o leilão, a usina foi avaliada em R$ 19 bilhões. Foi feito o leilão e se definiu um custo fictício de geração de energia elétrica de R$ 78 o megawatt-hora.

- Por que fictício?
Bermann –
Fictício porque esse custo não remunera o capital investido. É por isso que várias empresas caíram fora do empreendimento, sob o ponto de vista da geração da energia elétrica. Mas as grandes empreiteiras estão presentes, porque não é na venda da energia elétrica, mas sim na obra que se dá uma parte significativa da apropriação da renda. Com o consórcio constituído com 50% entre Eletrobrás e Eletronorte, as empreiteiras voltaram para fazer a obra. A elas interessa a obra – e não ficar vendendo energia elétrica. Essa situação é entendida pelos dirigentes, pelo governo, como normal. Para o governo federal, é uma parceria público-privada que está dando certo. Em que termos? A obra hoje está oficialmente orçada em R$ 26 bilhões. Imagine, de R$ 4,5 bilhões para R$ 26 bilhões…

- Em cinco anos, o valor da obra avançou em mais de R$ 20 bilhões?
Bermann –
Oficialmente está hoje orçada em R$ 26 bilhões. Mas existem estimativas de que não vai sair por menos de R$ 32 bilhões. Isso sem falar em superfaturamento.

- Deste valor, quanto sairá do BNDES, ou seja, do nosso bolso?
Bermann –
Oitenta por cento da grana para isso é dinheiro público. O que estamos testemunhando é um esquema de engenharia financeira para satisfazer um jogo de interesses que envolve empreiteiras que vão ganhar muito dinheiro no curto prazo. Um esquema de relações de poder que se estabelece nos níveis local, estadual e nacional – e isso numa obra cujos 11.200 megawatts de potência instalada só vão funcionar quatro meses por ano por causa do funcionamento hidrológico do Xingu. Então, é preciso entender que a discussão sobre a volta da inflação não se dá porque está aumentando o preço da cebola, do tomate, do leite… É por causa da volúpia de tomar recursos públicos que será necessário fabricar dinheiro. O ritmo inflacionário vai se dar na medida em que obras como Belo Monte forem avançando e requerendo que se pague equipamento, que se pague operários, que se pague uma série de coisas e também que se remunere com superfaturamento.

- Quem perde a gente já sabe. Agora, quem ganha, além das empreiteiras envolvidas na obra?
Bermann –
Há as pessoas que ganham pela obra – fabricantes de equipamentos, empreiteiras. E há quem ganhe não financeiramente, mas politicamente, por permitir que essa articulação seja possível, porque é esse pessoal que vai bancar a campanha para o próximo mandato. É a escolinha ou o posto de saúde que eventualmente aquele vereador, aquele prefeito vai dizer: “É obra minha!”. É isso que está em jogo. É dessa forma que a cultura política se estabelece hoje no nosso país. Isso precisa mudar. Como? É complicado.

- O senhor costuma usar a expressão “Síndrome do Blecaute” para se referir ao pânico da população de ficar à luz de velas devido a um apagão energético. Acredita que essa “síndrome” é manipulada pelo governo federal e pelos grandes interesses empresariais para emprestar um caráter de legitimidade a megaobras como Belo Monte?
Bermann –
O que eu tenho chamado de “Síndrome do Blecaute” conduz à legitimação de empreendimentos absolutamente inconsistentes. Belo Monte, como foi provado pelo conjunto de cientistas que se debruçaram sobre o tema (painel dos especialistas), é uma obra absolutamente indesejável sob o ponto de vista econômico, financeiro e técnico. Isso sem falar nos aspectos social e ambiental. Mas se dissemina uma ideia do caos e, hoje, há 77 projetos de usinas hidrelétricas somente na Amazônia que utilizam a “Síndrome do Blecaute” para se viabilizarem. O fato de hoje o aquecimento global dominar a mídia e o senso comum, assim como a própria academia, ajuda a mostrar a hidroeletricidade como uma grande maravilha, independentemente do lugar em que a usina vai ser construída e dos impactos que ela vai causar. Mas o que é preciso compreender e questionar? Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose.

- As chamadas indústrias eletrointensivas…
Bermann –
Isso. Eu não estou defendendo que devemos fechar as indústrias eletrointensivas, que demandam uma enorme quantidade de energia elétrica a um custo ambiental altíssimo. Mas acho absolutamente indesejável que a produção de alumínio dobre nos próximos 10 anos, que a produção de aço triplique nos próximos 10 anos, que a produção de celulose seja multiplicada por três nos próximos 10 anos. E é isso que está sendo previsto oficialmente.

- O que poucos parecem perceber e menos ainda questionam, quando essas metas são comemoradas, é a forma como o Brasil está inserido no mercado internacional em pleno século XXI. O quanto o fato de nossa economia estar baseada na exportação de bens primários tem a ver com a necessidade de grandes hidrelétricas?
Bermann –
Desde a ditadura militar, passando pela redemocratização, pelos sucessivos governos até FHC, tem sido assim. Nós imaginávamos que, com Lula, essa questão ia ser reorientada. Porque o programa de governo em que eu me envolvi preconizava a necessidade dessa mudança. E o que aconteceu? Se você comparar os dados de 2001 com os dados de 2010, vai constatar que a economia brasileira está se primarizando cada vez mais. Isto é: cada vez mais são produzidos no Brasil bens industriais primários, sem agregação de valor. E são justamente os bens primários que consomem muita energia e geram pouco emprego. Além disso, satisfazem uma demanda marcada pelo consumismo. E o Brasil se mostrou incapaz de dizer: “Não, nós não vamos fazer isso”.

- E depois esses produtos retornam para o Brasil, via importação, com valor agregado…
Bermann –
É. Eu sempre chamo a atenção para o fato de que, do alumínio primário que o Brasil produz, 70% é exportado. E o alumínio consome muita energia. Para se pegar um barro vermelho, que é a bauxita, e transformá-la em alumínio, é preciso um processo de produção extremamente devastador sob o ponto de vista ambiental. Há um primeiro refino para obter a alumina, que é um pó branco. Esse pó branco tem como consequência ambiental uma borra chamada de “lama vermelha”. Um ano atrás, na Europa, na Hungria, houve uma catástrofe em função do rompimento de uma barragem que continha essa lama vermelha e tóxica. Ela se espalhou pelo Rio Danúbio e foi um horror. E cada vez mais se faz isso no nosso país – e, claro, não se faz mais isso nos países centrais. Isso não está acontecendo agora no Brasil, está acontecendo desde os anos 70.

- Houve acentuação desse processo no governo Lula e agora no de Dilma Rousseff?
Bermann –
O que acontece a partir de Lula é o que eu tenho chamado de “reprimarização da economia”. Nós já tivemos uma época em que a economia dependia basicamente da produção de bens primários: café, açúcar e também alguns bens industriais primários. Depois, tivemos Getúlio Vargas, Juscelino (Kubitschek), e nos anos 50 houve a substituição das importações com a vinda da indústria pesada. Aquele período marca um processo acelerado de industrialização da economia brasileira em que se buscava um desenvolvimento tecnológico para acompanhar o ritmo internacional. Agora, vivemos a reprimarização da economia. E não é uma questão do governo, simplesmente. O governo poderia tornar essa questão pública, dar condições para que a população compreendesse e debatesse o que está em jogo, e isso pudesse servir como base de apoio para uma tomada de decisão do tipo: “Olha, Alcoa (corporação de origem americana com grande presença no Brasil, é a principal produtora mundial de alumínio primário e alumínio industrializado, assim como a maior mineradora de bauxita e refinadora de alumina), vocês não vão continuar aumentando a produção aqui no Brasil. Procurem um outro lugar. A produção de energia elétrica gera um problema ambiental enorme, um problema social enorme, e nós vamos priorizar a demanda da população”. Mas, infelizmente, isso não é feito.

- Mas essa obstinação do governo Lula, e agora do governo Dilma, em fazer Belo Monte, mesmo já tendo um prejuízo de imagem aqui e lá fora, mesmo tendo mais de uma dezena de ações judiciais contra a obra movidas pelo Ministério Público Federal, fora as outras… Essa obstinação se dá apenas por causa do esquema de governabilidade, do esquema político para as eleições a curto e médio prazo, ou é por mais alguma coisa?
Bermann –
Isso já não te parece plausível? Ou você acha que tem alguma coisa meio doentia, que precisa ser explicada? (risos)

- Doentia, não sei. Mas eu gostaria de compreender melhor por que o senhor e a maioria dos especialistas que estudaram o projeto afirmam que esta obra é ruim também do ponto de vista técnico.
Bermann –
Divulgaram que esta será a única usina do Xingu. Inclusive, houve um seminário recente aqui na USP em que tive a oportunidade de discutir com o Mauricio Tolmasquim (presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia). E ele veio com essa ladainha: “Vai ser a única…”. E eu disse a ele: “Com o perdão do poeta, o que você está afirmando, somente de papel passado, com firma em cartório e assinado: Deus”.

- O senhor não acredita que será a única usina do Xingu, então?
Bermann –
Me diga alguma coisa no nosso país que vigorou como cláusula pétrea. Me fale alguma coisa aqui no nosso país que foi dito de uma forma e se manteve ao longo do tempo. VAI ser necessário construir outras usinas. No atual projeto, esta é uma usina que vai funcionar à plena carga, no máximo, quatro meses por ano, por causa do regime hidrológico. Se ela estiver sozinha, o volume de água para rodar as turbinas dependerá da quantidade de chuva. E aquela região tem a seguinte característica: quando chove, quando tem água, quando desce a água dos tributários para o Xingu é muita água, é um volume enorme de água. Mas isso só acontece durante quatro meses por ano. Só nesse período os 11.200 megawatts vão estar operando. Em outubro, na época da estiagem, será apenas 1.100 megawatts, um décimo. Então, a pergunta é: por que construir uma usina desse porte, se, na média anual, ela vai operar com 4.300 megawatts? Necessariamente vão vir as outras quatro. Eu estou afirmando isso, infelizmente. Tecnicamente, eu tenho absoluta certeza. Porque as usinas rio acima vão segurar a água e aí Belo Monte não vai depender da quantidade de chuva. É o único jeito dessa potência instalada de 11.200 megawatts existir de fato.

- O senhor está dizendo que o governo federal está mentindo ao afirmar que será apenas uma usina, para conseguir vencer as resistências ao projeto e aprová-la, e depois fará mais três ou quatro?
Bermann –
Estou dizendo que, da forma como esta usina está colocada, é uma aberração técnica tão grande que é totalmente ilógico construí-la.

- E essa afirmação, discutida hoje na Justiça, de que os povos indígenas não serão atingidos?
Bermann –
A noção que as empresas e o governo federal têm é a noção de população afogada – e não atingida.

- Agora, digamos que nós concordássemos que a obstinação de construir Belo Monte, ainda que atropelando a população e talvez a Constituição, se devesse à necessidade de energia elétrica. E digamos que Belo Monte fosse de fato um projeto de engenharia viável e inteligente. As usinas hidrelétricas são as melhores opções para a geração de energia no Brasil de hoje? Quais são as alternativas a elas?
Bermann –
Não podemos olhar a questão da produção de energia sem questionar ou considerar o outro lado, que é o consumo de energia. Parece meio prosaico, porque envolve hábitos culturais da população. E a população sempre entendeu que energia elétrica se resume a você apertar o botão e ter eletricidade disponível. E por isso fica em pânico com a “Síndrome do Blecaute”. Mas é preciso pensar além disso. Não estou dizendo para fechar as fábricas de alumínio, de aço e de celulose no Brasil. O que estou dizendo é o seguinte: parem de ampliar a produção. Parem, porque diversos países desenvolvidos já fizeram isso. O Japão fez mais do que isso. O Japão produzia, em 1980, 1,6 milhões de toneladas de alumínio. Nós estamos produzindo quase 1,7 milhões de toneladas hoje. Só que a energia elétrica necessária para produzir alumínio tornou-se da ordem do absurdo. Então o governo japonês, as empresas japonesas produtoras de alumínio e os trabalhadores da indústria do alumínio realizaram um debate que culminou com o fechamento de todas as usinas de produção de alumínio primário no Japão, exceto uma. Isso ainda nos anos 80. Hoje, o Japão produz apenas 30 mil toneladas. De 1,6 milhões para 30 mil toneladas. Diante da necessidade de gerar muita energia para produzir alumínio, o que o Japão fez? O governo e a sociedade japonesa disseram: “Vamos priorizar a eficiência, o maior valor agregado. Nós não precisamos produzir aqui. Tem o Brasil, tem a Venezuela, tem a Jamaica, tem os lugares para onde a gente pode transferir as plantas industriais e continuar a assegurar o suprimento para a nossa necessidade industrial. A gente pega esse alumínio, agrega valor e exporta na forma de chip. Parece uma coisa tão besta, né? Mas foi isso o que os japoneses fizeram. Eles mantiveram o crescimento econômico e reduziram a demanda por energia. Nós estamos caminhando no sentido inverso. Estamos aumentando o consumo de energia a título de crescimento e desenvolvimento, e, numa atitude absolutamente ilógica, porque a gente exporta hoje a tonelada de alumínio a US$ 1.450, US$ 1.500 dólares. E, para se ter uma ideia, hoje falta esquadrias de alumínio no mercado interno, no mercado de construção brasileiro. O preço foi aumentado por indisponibilidade. Hoje, e fizemos um estudo recente sobre isso, é preciso importar esquadrias de alumínio porque a oferta no mercado interno é insuficiente. E, enquanto o Brasil exporta o alumínio por US$ 1.450, US$ 1.500, o preço da tonelada de esquadria importada é o dobro: cerca de US$ 3 mil a tonelada.

- Para o senhor, a questão de fundo é outra…
Bermann –
Nós temos pouca capacidade de produzir alumínio com valor agregado. Então, não estou dizendo para fechar essas fábricas, botar os trabalhadores na rua, mas dizendo para parar de produzir alumínio primário, que exige uma enorme quantidade de energia, e investir no processo de melhoria da matéria-prima para satisfazer inclusive a demanda interna hoje insatisfeita. Agora, vai perguntar isso para a ABAL (Associação Brasileira de Alumínio). Veja se eles estão pensando dessa forma. Billiton, Alcoa, mesmo o sempre venerado Antônio Ermírio de Moraes, com a Companhia Brasileira de Alumínio. A perspectiva desse pessoal é a cega subordinação ao que define hoje o mercado internacional, o mercado financeiro. E é assim que o nosso país fica desesperado com a ideia de que vai faltar energia.

- Além de ser um modelo de desenvolvimento que prioriza a exportação de bens primários, sem valor agregado, é também um modelo de desenvolvimento que ignora o esgotamento de recursos. Enquanto tem, explora e lucra. Alguns poucos ganham. O custo socioambiental, agora e no futuro, será dividido por todos…
Bermann –
Isso. Os recursos naturais são limitados. Por isso, no meu ponto de vista, a discussão do aquecimento global obscurece o entendimento da hidroeletricidade em particular. Ficamos às cegas. Para transformar o barro da bauxita naquele pó branco do alumínio, que depois é fundido através de uma corrente elétrica, é uma quantidade de energia enorme, absurda. Essa possibilidade você não vai conseguir com energia solar, com energia eólica. São processos produtivos que exigem a manutenção do suprimento de energia elétrica 24 por 24 horas. A solar não consegue fazer isso na escala necessária. Uma tonelada de alumínio consome 15 a 16 mil kilowatts-hora. Para se ter uma ideia, na média, o consumidor brasileiro consome, por domicílio, 180 kilowatts-hora por mês, o que é baixo. Nós ainda estamos vivendo uma situação muito próxima da miserabilidade em termos energéticos para a população. Nós temos uma demanda a ser satisfeita com equipamentos eletrodomésticos. Satisfeita não construindo grandes usinas hidrelétricas para as empresas eletrointensivas, mas para conseguirmos equilibrar a qualidade de vida, que se deve fundamentalmente a uma herança histórica: a de sermos um dos países com a pior distribuição de renda do mundo.

- Uma das piores distribuições de renda e uma das piores distribuições de eletricidade do mundo…
Bermann –
Eu chamo o programa de universalização de “Luz para quase todos”. Não é para todos, é para quase todos. Desde que estejam próximos da rede para extensão, tudo bem. Mas, para o sujeito distante, só agora é que se começa a pensar em sistemas de produção descentralizada. A percepção ainda é, infelizmente, de pegar e estender a rede. Mas o custo de extensão da rede é muito alto. Principalmente, se você pegar e atravessar 15 quilômetros para atender duas, três casas. O lógico seria a adoção de energia descentralizada em escala menor, que seja mais bem controlada pela população. Mas isso não passa pela cabeça porque define inclusive uma outra relação social. Eu também chamo esse programa de “Conta de luz para todos”, porque de repente você fica refém de uma companhia e necessariamente paga conta de luz, quando você poderia criar uma situação de autonomia energética.

- O senhor poderia explicar melhor quais são as alternativas para a população, já que todos nós crescemos dentro de uma lógica em que recebemos a conta da luz e pagamos a conta da luz; apertamos um botão na parede e a luz se faz. A realidade está exigindo que sejamos mais criativos e tenhamos mais largura de raciocínio. Quais são as alternativas para o cidadão comum, especialmente o de regiões mais afastadas?
Bermann –
Depende muito do acesso à tecnologia existente no local ou na região. Hoje, por exemplo, temos no Rio Grande do Sul uma experiência de queimar casca de arroz para gerar energia. O calor da queima da casca de arroz aquece a água, a água se transforma em vapor e esse vapor é injetado num tubo e gira uma turbina produzindo energia elétrica. Não tem nada de fantástico nisso, esse processo é conhecido há muito tempo, mas, puxa vida, eu estou tão acostumado a simplesmente acender e apagar o botão… Vou ficar agora me preocupando se tem combustível? Existe um lado meio trágico da população em geral que é o comodismo: deixa que resolvam por mim. Então, quando você me pergunta sobre alternativas, depende do que a gente está falando. Existem alternativas promissoras deixando de produzir mais mercadorias eletrointensivas. Como também é promissor ter esquemas de financiamento para que o pequeno empresário adquira um painel fotovoltaico (placa que transforma luz solar em energia elétrica) ou uma usina de geração eólica (transformação de vento em energia elétrica). E use essa tecnologia que está disponível para satisfazer as suas necessidades, sem necessariamente ficar ligado a uma grande linha de transmissão, de distribuição, puxando energia não sei de onde.

- O que o senhor diria para a parcela da população brasileira que faz afirmações como estas: “Ah, se não construir Belo Monte não vai ter luz na minha casa”, ou “Ah, esses ecochatos que criticam Belo Monte usam Ipad e embarcam em um avião para ir até o Xingu ou para a Europa fazer barulho”. O que se diz para essas pessoas para que possam começar a compreender que a questão é um pouco mais complexa do que parece à primeira vista?
Bermann –
Não é verdade que nós estamos à beira de um colapso energético. Não é verdade que nós estamos na iminência de um “apagão”. Nós temos energia suficiente. O que precisamos é priorizar a melhoria da qualidade de vida da população aumentando a disponibilidade de energia para a população. E isso se pode fazer com alternativas locais, mais próximas, não centralizadas, com a alteração dos hábitos de consumo. É importante perder essa referência que hoje nos marca de que esse tipo de obra é extremamente necessário porque vai trazer o progresso e o desenvolvimento do país. Isso é uma falácia. É claro que, se continuar desse jeito, se a previsão de aumento da produção das eletrointensivas se concretizar, vai faltar energia elétrica. Mas, cidadãos, se informem, procurem pressionar para que se abram canais de participação e de processo decisório para definir que país nós queremos. E há os que dizem: “Ah, mas ele está querendo viver à luz de velas…”. Não, eu estou dizendo que a gente pode reduzir o nosso consumo racionalizando a energia que a gente consome; a gente pode reduzir os hábitos de consumo de energia elétrica, proporcionando que mais gente seja atendida, sem construir uma grande, uma enorme usina que vai trazer enormes problemas sociais, econômicos e ambientais. É importante a percepção de que, cada vez que você liga um aparelho elétrico, a televisão, o computador, ou a luz da sua casa, você tenha como referência o fato de que a luz que está chegando ali é resultado de um processo penoso de expulsão de pessoas, do afastamento de uma população da sua base material de vida. E isso é absolutamente condenável, principalmente se forem indígenas e populações tradicionais. Mas também diz respeito à nossa própria vida. É necessário ter uma percepção crítica do nosso modo de vida, que não vai se modificar amanhã, mas ela precisa já estar na cabeça das pessoas, porque não é só energia, é uma série de recursos naturais que a gente simplesmente não considera que estão sendo exauridos e comprometidos. É necessário que desde a escola as crianças tenham essa discussão, incorporem essa discussão ao seu cotidiano. Eu também tenho uma dificuldade muito grande de chegar aqui na minha sala e não ligar logo o computador para ver emails, essas coisas. Confesso que tenho. Mas eu também percebo uma grande satisfação quando eu consigo não fazer isso. E essa percepção da satisfação é uma coisa cultural, pessoal, subjetiva. Mas ela precisa ser percebida pelas pessoas. De que o nosso mundo não existe apenas para nos beneficiarmos com essas “comodidades” que a energia elétrica em particular nos fornece. Agora isso exige um esforço, e a gente vive num mundo em que esse esforço de perceber a vida de outra forma não é incentivado. Por isso é difícil. E por isso, para quem quer construir uma usina, quer se dar bem, quer ganhar voto, quer manter a situação de privilégio, seja local ou nacional, para essas pessoas é muito fácil o convencimento que é praticado com relação a essas obras. Por mais que eu tenha sempre chamado a atenção para o caráter absolutamente ilógico da usina, das questões que envolvem a lógica econômico e financeira dessa hidrelétrica, para o absurdo que é a utilização do dinheiro público para isso, para a referência à necessidade de se precisar, num futuro próximo, enfrentar um ritmo violento de custo de vida, emitindo moeda para sustentar empreendimentos como esse, é muito difícil fazer com que as pessoas compreendam a relação dessa situação com as grandes obras. E Belo Monte é mais um instrumento disso. Eu não sou catastrofista, não tenho a percepção maléfica da hidroeletricidade. Não demonizo a hidroeletricidade. Eu apenas constato que, da forma como ela é concebida, particularmente no nosso país nos últimos anos, é uma das bases da injustiça social e da degradação ambiental. Se não é pensando em você, você necessariamente vai precisar pensar nas gerações futuras. Este é o recado para o leitor: é preciso repensar a relação com a energia e o modelo de desenvolvimento, é preciso mudar o nosso perfil industrial e também é preciso mudar a cultura das pessoas com relação aos hábitos de consumo. Nós precisamos mudar a relação que nos leva a uma cega exaustão de recursos.

- O senhor acha que a Dilma tem essa obstinação com Belo Monte, em parte, por teimosia?
Bermann -
Ela é muito cabeça dura.

- Às vezes eu acho que as questões subjetivas têm um peso maior do que a gente costuma dar. Não sei…
Bermann –
É, mas eu também não sei, não tenho nenhuma proximidade maior com o que ela está pensando agora. O que eu sei é que, no dia a dia, lá no ministério, ela demonstrava uma capacidade muito reduzida de ouvir. Ela pode até ouvir, mas as coisas na cabeça dela já estão postas.

- Por que o senhor saiu do governo em 2004?
Bermann –
Porque venceu o contrato, e eu achei que não valia a pena continuar. Há conhecidos meus que foram na mesma época que eu e estão até hoje em Brasília. Não estão mais no ministério, mas estão em Brasília. Acho que Brasília é uma cidade com um vírus letal, que é a “Brasilite”. A “Brasilite” se compõe de um verme que entra no umbigo e toma a barriga da pessoa de forma a ela achar que é o centro do universo. A partir daí, mudam as relações pessoais, o que a pessoa era e o que ela passa a ser. Eu mesmo perdi muitos amigos que começaram a empinar o queixo. Fazer o quê? E isso faz parte do “modus vivendi” brasiliense. Basta você ter um terno e uma gravata que você é doutor. Eu acho que a gente não vai muito longe alimentando isso.

- O senhor participou da elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e participou do primeiro ano de governo. Está desiludido?
Bermann –
Eu não aceito quando me definem como: “Ah, você também é daqueles que estão desiludidos, estão chateados…”. Tem essa conotação, né? Em absoluto. Eu não estou desiludido, chateado, bronqueado. Eu estou indignado!

- Quando o senhor se desfiliou do PT?
Bermann –
Ah, quando o bigode do Sarney estava aparecendo muito nas fotos.

20 de jan. de 2012

As culpas da imprensa


"Ex-deputado é condenado a 103 anos", gritava a manchete.

(É Talvane Albuquerque Neto, aquele que matou a deputada Ceci Cunha, de quem era suplente na Câmara, e três dos seus familiares, para ficar com o cargo).

"426 anos é a soma das penas dos seus quatro capangas", destaca o Estadão em vermelho.

"Não tem nada a ver com vingança; nós estávamos procurando Justiça", diz o filho da vítima.

E parece que ela foi feita! Finalmente, ao fim de 14 anos de luta nos tribunais (o crime foi em 1998), pune-se ao menos um da casta dos inimputáveis!, diria o leitor incauto que, diante de tanta comemoração, se deixasse iludir pela aparência de racionalidade que inspira uma página impressa.

Que nada!

Juiz que quer ver um cara em cana condena a 29 anos 11 meses e 29 dias. Não há quem não saiba no Brasil que condenações a mais de 30 anos são uma farsa que conduz o "condenado" diretamente à porta de saída da prisão porque remete o caso automaticamente para recurso (mais um, depois de 14 anos de recursos).

E, no entanto, todo mundo entra na farsa. A imprensa inteira adere à linguagem dos fariseus, sem denunciá-la como tal.

Falta muito, mas muuuito meeesmo pra que esta nossa Babel possa começar a sonhar com uma democracia de verdade...


Sombras do passado

por Nelson Motta, O Globo, 20/01/12

Por mais que os ficcionistas quebrem a cabeça para inventar crimes, mistérios e conspirações complexos, surpreendentes e emocionantes, os livros, filmes e seriados acabam sempre superados pela vida real. O assassinato do prefeito Celso Daniel completa dez anos sem culpados nem condenados, e pior, desde o início das investigações sete testemunhas e investigados já foram assassinados ou morreram em circunstâncias misteriosas. O principal acusado é digno de um pulp fiction: o Sombra.

O roteiro: prefeito de uma próspera cidade industrial faz um acordo com empresários correligionários para desviar dinheiro público para as campanhas do seu partido. Ninguém ganharia nada, não eram corruptos, eram patriotas a serviço da causa e do partido, afinal, estava em jogo transformar o Brasil, os nobres fins justificavam os meios sujos. Foi assim no início, mas o ser humano…

Com a dinheirama crescendo e rolando sem controle, o Sombra, chefe da operação e amigo do prefeito, começa a desviar para sua própria causa. Outros empresários do esquema, e alguns políticos que intermediavam as contribuições, também começam a meter a mão. Até que o prefeito, que não sabia de nada, descobre tudo e ameaça detonar o esquema. Seria o fim para o Sombra e a quadrilha.

O prefeito é atraído pelo Sombra para uma cilada, o carro dos dois é interceptado por bandidos e o prefeito sequestrado, o Sombra escapa ileso. Nenhum resgate é pedido, dias depois o prefeito é encontrado morto a tiros e com marcas de tortura. Contra as evidências, a polícia trata o caso como um sequestro comum, mas o Ministério Publico vai fundo nas conexões políticas. O garçom que havia testemunhado a última conversa entre o prefeito e o Sombra é executado. Em seguida, uma testemunha da morte do garçom. O bandido que fazia a ligação entre os sequestradores e o Sombra é assassinado na cadeia. O médico legista, que atestou as marcas de tortura, morre envenenado. Ameaçado, o irmão do prefeito se exila na França. O Sombra continua nas sombras, o processo não anda, logo o crime estará prescrito. E o pior de tudo: não é ficção.


12 de jan. de 2012

Linguagem ideologicamente viciada

O mal é o que sai da boca do intelectual de esquerda
por Alceu Garcia
Maio de 2002

Conta Aristóteles que seu mestre Platão ocasionalmente interrompia as aulas que ministrava na Academia para questionar-se, e a seus alunos, se no tema desenvolvido eles estavam partindo dos primeiros princípios ou no caminho que se dirige a eles. No Brasil são poucos, mesmo nos mais sisudos centros acadêmicos, os que efetivamente se preocupam com essa investigação preliminar de máxima importância em qualquer campo do saber. Nos debates públicos ventilados na imprensa, então, nem se fala. Nesse universo marcado pelo falatório sofístico não só inexiste preocupação com princípios, como a própria linguagem encontra-se tão corrompida que é impossível sequer saber com um mínimo de clareza e precisão do que se está tratando nas discussões. E o maior problema é que a adulteração do sentido das palavras é deliberada, envolvendo um projeto de dominação ideológica no sentido marxista do termo, a falsa consciência, o véu de idéias forjadas por um grupo para, ocultando a realidade, explorar os demais com a anuência expressa ou tácita dos próprios explorados. Esse grupo é a classe letrada, a intelligentsia, obcecada pelo socialismo e imbuída do método gramsciano de reforma do senso comum para implementá-lo, como tem denunciado e fartamente provado o filósofo Olavo de Carvalho. A depravação da linguagem torna impossível identificar, isolar, compreender e enfrentar os problemas postos para a coletividade. Como discutir proveitosamente sobre algo que sequer sabemos o que é?

O objetivo desse texto é contribuir modestamente para a difícil tarefa de remover a névoa pegajosa e traiçoeira que recobre certas palavras e expressões vertidas incessantemente na imprensa por intelectuais e políticos de "esquerda" (mas não apenas eles), de modo que os interessados de boa-fé possam ao menos tentar entender com alguma nitidez o que realmente está sendo afirmado e se as propostas de ação política reclamadas são compatíveis ou não com os fins (ocultos ou declarados) almejados.

"JUSTIÇA SOCIAL" – Justiça deriva do latim justitia, exprimindo conformidade com o Direito, não necessariamente o Direito Positivo, legislado, que pode ser, e frequentemente é, injusto (ex: pensão vitalícia de dez mil reais para ex-governadores), mas os princípios gerais derivados dos valores que formam a Ética de um determinado grupo, que antecedem e informam as leis objetivas e sua interpretação, consubstanciado no mister de dar a cada um aquilo que é seu, como diziam os juristas romanos. E cada indivíduo só é proprietário daquilo que produziu com o seu próprio trabalho ou que adquiriu contratualmente por meio de trocas voluntárias (compra e venda, locação, contrato de trabalho, doação, etc). Social vem de sociale, relativo à sociedade (do lat. societate), ou seja, uma coletividade humana. Ora, se justiça é dar a cada um o que é seu, infere-se necessariamente que a existência de mais de um indivíduo é sua condição sine qua non . Não havia necessidade de justiça para o solitário Crusoe em sua ilha deserta, antes do aparecimento do Man Friday. Tudo lhe pertencia. Assim, toda justiça é por definição social, um imperativo de convívio humano. O adjetivo "social" é, pois, redundante e dispensável. O mesmo obviamente ocorre com outras expressões, tais como "movimento social", "política social", "investimento social", "questão social", "direitos sociais", "democracia social" e muitas outras. Quem se lembra do slogan da propaganda oficial do malsinado Governo Sarney? Era "Tudo pelo Social", o cúmulo do estelionato semântico demagógico. Até o erudito e em geral lúcido J. G. Merquior embarcou nessa canoa furada com o seu "liberalismo social". O economista e filósofo Friedrich Hayek, em seu clássico Law, Legislation and Liberty, deu-se ao trabalho de enumerar dezenas de termos adjetivados com o infalível "social", que nada acrescentava de racional e esclarecedor aos respectivos substantivos.

Se o "social" nada significa de relevante, porque é tão usado? Porque o sentido oculto dessa palavra é "socialismo", ou seja, a intervenção coletiva, política, estatal, na esfera de autonomia individual, mesmo e sobretudo aquela em que as pessoas não estão tomando dos outros o que não lhes pertence. Em outras palavras, "social", nesse contexto, consiste em ações coercitivas por meios das quais aqueles que detém o Poder Político ordenam os comportamentos e dispõem do patrimônio dos indivíduos da forma que bem entendem, dando a cada um o que, segundo critérios inteiramente arbitrários, entendem que cada um merece. Vê-se que o "social" é mais do que tautológico em relação à justiça. É incompatível com ela. "Justiça social" é pura e simplesmente injustiça. E quem aceita esse conceito distorcido e contraditório como premissa para o debate, mesmo que não seja socialista, já admitiu a viabilidade prática e conferiu validade moral ao socialismo.

"POLÍTICA PÚBLICA" – Política origina-se do grego polis, cidade-estado, daí politiké, ciência dos negócios de Estado, ou seja dos negócios públicos, sendo que público tem raiz no latim publicu, relativo à coletividade, oficial, estatal. Ou seja, "política pública" é mais uma expressão vazia, pois se é política já é pública. Seu uso tem se disseminado a partir das principais estações difusoras do gramscismo – as universidades – sobretudo por soar bonito, vestindo um modelito novo e sedutor às velhas e já algo desgastadas "políticas sociais", intervenções estatais indevidas no domínio particular para "resolver" problemas que desastradas "políticas sociais" anteriores causaram. "Política pública" é, assim, mais um eufemismo para – adivinhem? – socialismo.

"NEOLIBERALISMO" – Liberalismo é o nome de um conjunto de idéias e doutrinas que basicamente defendem a liberdade individual contra o Poder Político, formuladas por filósofos e economistas como John Locke, David Hume, Adam Smith, Herbert Spencer, Frédéric Bastiat e John Stuart Mill. A partir da segunda metade do século 19 o prestígio do liberalismo decaiu tão rapidamente quanto ascendeu a aceitação geral do socialismo entre os intelectuais e políticos, com sua ênfase na ação coletiva e estatal como meio de se alcançar a plena liberdade e dignidade do Homem. O liberalismo então extinguiu-se como doutrina politicamente eficaz, subsistindo apenas na obra de um punhado de estudiosos e publicistas isolados e espalhados pelo mundo, como Walter Lippmann, Wilhelm Ropke, Ludwig von Mises e Frank Knight.

Após a Segunda Guerra, contudo, diante do óbvio fracasso do socialismo, no atacado e no varejo, em cumprir suas mirabolantes promessas de abundância material e excelência moral, o pensamento liberal recuperou paulatinamente uma pequena parte de sua antiga influência graças aos esforços de Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, Peter Bauer, James Buchanan, Raymond Aron e outros pensadores eminentes. É isso o famoso neoliberalismo, que se traduz em continuação e aperfeiçoamento do antigo liberalismo. Na esfera política, o neoliberalismo só alcançou alguma expressão nos anos 80 do século passado, inspirando certas medidas, bastante limitadas, de alívio para a iniciativa individual na economia, tomadas pelos governos Thatcher e Reagan, tão claramente bem-sucedidas que logo foram imitadas por todo o mundo, inclusive em países comunistas como a China e o Vietnã. Vale frisar que o neoliberalismo ganhou força nos meios intelectuais combatendo os socialismos comunista e fabiano (ou social-democrata) com argumentos irrefutáveis, reforçados pela prova empírica inegável do fiasco universal do coletivismo, totalitário ou limitado, e só teve aplicação restrita no cenário político quando todas as formas de socialismo possíveis e imagináveis (comunismo, fascismo, nazismo, social-democracia etc) já tinham sido tentadas e rejeitadas.

Essa tímida ressurreição do liberalismo como doutrina intelectualmente respeitável e como alternativa política e econômica válida enfrentou uma formidável barragem de propaganda caluniosa movida pela esquerda culturalmente hegemônica. O neoliberalismo passou a ser inculpado por tudo de mau que acontecia pelo mundo, sobretudo em regiões em que absolutamente jamais houvera liberalismo ou neoliberalismo, como a África, continente dominado por regimes socialistas em variados graus. Após décadas de vulgarização e abuso, o termo "neoliberal" adquiriu uma conotação extremamente negativa -malgrado ninguém saiba ao certo o porquê -, comparável ao sentido odioso de palavras como "nazista" e fascista". Acontece que nazista é a abreviação de nacional-socialista, assim como virulentamente nacionalista e socialista foi o fascismo. Dito de outro modo, o nazi-fascismo é irmão xifópago do socialismo dito de "esquerda". O resultado dessa monumental campanha ideológica pode ser aferido pela simples análise do sentido comum dos termos "comunista" e "socialista", usualmente significando uma doutrina política intrinsecamente benevolente e humanista, cujos efeitos bárbaros são debitados exclusivamente à perversões acidentais identificadas com o termo "stalinismo". Muita gente ainda se diz comunista, e quase todo mundo se considera socialista (ou de "esquerda", que é a mesma coisa), com a maior naturalidade, embora regimes comunistas e socialistas tenham perpetrado as piores barbaridades da História em toda parte. Por outro lado, ninguém – ninguém mesmo! – ousa assumir-se publicamente como neoliberal. Ora, pode-se concordar ou discordar das idéias liberais (ou neoliberais), desde que se procure tomar conhecimento do que efetivamente são essas idéias, submetendo-as então à uma crítica racional. É absurdo tomar como reais idéias pela imagem caricatural dela que seus inimigos forjaram. Mas é exatamente isso que ocorre.

O economista Eugen von Bohm-Bawerk certa vez foi censurado por não intervir quando alguns alunos de seu seminário expunham teorias obviamente erradas e absurdas. Ele disse em resposta que nada era mais eficaz para se revelar o erro de um raciocínio do que permitir que fosse desenvolvido até suas últimas consequências lógicas. A humanidade parece ter seguido procedimento similar em relação ao socialismo, o qual contou com meios e tempo mais do que suficientes para provar suas proposições e falhou lamentavelmente, precisamente onde e como seus críticos previram que falharia. Será que já não sofremos o bastante para admitir que o socialismo é um erro trágico?

"DIREITOS HUMANOS" – O Direito, do latim directu, aquilo que deve ser reto e justo, é uma criação humana, e somente o Homem é sujeito de direito. Mesmo as pessoas jurídicas e patrimônios personalizados (fundações) são ficções jurídicas cuja criação e atuação no mundo concreto se materializam através da vontade e da ação humana. O risível "direito dos animais", que aliás acaba de ganhar foro constitucional na Alemanha, não é gerado pelos marinbondos e papagaios, é claro, mas pelos homens. Sendo assim, é evidente que o Direito é sempre humano, constituindo esse adjetivo mera tautologia. O que esse conceito espúrio pretende de fato, enrolado em um falso manto humanitário, é conferir às pessoas – sobretudo pessoas enquadradas em certas classificações capciosas – "direitos" a coisas imateriais, como felicidade e amor, ou coisas materiais, como emprego, renda, habitação etc, que o Estado não pode dar, porque não possui, ou só pode dar a um quando tira de outro, fazendo uma caridade farsesca com o chapéu alheio, mediada por uma casta burocrática que reserva para si a parte do leão dos recursos "pilantrópicos" que amealha. "Direitos Humanos", em síntese, é mais um exemplo de socialismo disfarçado com belas palavras, um pretexto polivalente para a múltipla intromissão estatal injusta na esfera de autonomia individual..

Muito mais clara e adequada é a denominação Direitos Inalienáveis inscrita pelos fundadores dos Estados Unidos no preâmbulo de sua Constituição, derivados da filosofia lockeana dos Direitos Naturais. Esses direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade (aos quais deve ser acrescentado o direito à propriedade legitimamente adquirida) são inalienáveis porque não se pode dispor deles sem deixar de ser Homem, bem como se caracterizam pela reciprocidade, isto é, ao direito de cada pessoa corresponde direito igual de todas as outras, e o dever geral de respeitá-los. Esses atributos de reciprocidade e universalidade são violados pelos chamados "direitos humanos", vez que, por exemplo, ao "direito" de fulano a uma renda de mil reais mensais inevitavelmente corresponde o "dever" de sicrano, que ganha mais do que isso, de prover recursos para fulano, muito embora este não seja culpado pela pobreza daquele. Os "direitos humanos" são a cristalização da injustiça sistematizada, ou seja, dos "direitos desumanos".

"DESIGUALDADE SOCIAL" – Novamente o adjetivo "social" é objetivamente inútil, porém politicamente malicioso. Para haver desiguais há naturalmente que haver mais de um ser humano, de maneira que "social" já está implícito no substantivo "desigualdade". Nada é mais lacrimosamente denunciado pelo intelectual, com tom de ira santa, do que a desigualdade. Que esta existe é um fato incontestável, um dado da natureza.. As pessoas são mesmo desiguais, e o seriam mesmo que toda a humanidade fosse constituída de clones. Não há outra igualdade possível senão aquela diante da lei, fundada nos direitos inalienáveis, recíprocos e universais estudados acima. A intelligentsia, entretanto, discorda categoricamente. Há que haver igualdade material, dizem de modo bastante vago, e cabe ao Estado instaurá-la, comandado por eles mesmos ou por quem acate suas idéias. Como Thomas Solwell observou com sagacidade, os intelectuais de "esquerda" dividem a humanidade em três grupos: os desvalidos, os desalmados e os iluminados. Os primeiros, os pobres, são maltratados pelos segundos, os ricos, cabendo aos terceiros – os próprios intelectuais de "esquerda" – intervir munidos dos poderes coativos estatais para defender os bons dos maus e implantar a "justiça social" na Terra. A contradição insolúvel nesse discurso igualitário é que sua execução exige que um determinado grupo seja incumbido da tarefa de igualar os outros grupos, detendo para tanto poderes exclusivos, o que por si só inviabiliza a priori a igualdade. De resto, se os indivíduos são naturalmente desiguais e a igualdade material é impossível – até porque se fosse viável igualar a renda monetária de todos (e não é), seria impossível igualar a renda real, vez que, v.g., para quem vive no litoral é muito mais barato o lazer na praia do que para quem vive no interior – a doutrina igualitária é absolutamente inexequível, portanto absurda e, logo, intrinsecamente nefasta.

A eficácia desse discurso absurdo depende da associação implícita e falaciosa da desigualdade com a miséria, e também da estimulação sub-reptícia do sentimento da inveja. A falsidade do sofisma da miséria pode ser facilmente exposta em termos econômicos. A miséria é causada basicamente pela baixa produtividade do trabalho, que deriva de reduzidos padrões de capital investido per capita em determinada comunidade. A solução, assim, passa necessariamente pela acumulação de capital de modo a que o trabalho se torne mais produtivo, elevando ipso facto o nível de consumo das profissões marginais (aquelas cuja remuneração é mais baixa) para um patamar acima da mera subsistência. A teoria e a experiência provam que somente a economia de mercado, ou seja o capitalismo, é capaz de gerar os requisitos necessários e suficientes para se extinguir rapidamente a miséria. Como, porém, o capitalismo é rejeitado veementemente pelos intelectuais de esquerda, conclui-se que Joaozinho Trinta estava certíssimo quando afirmou que esses sujeitos adoram a miséria. Miséria para os outros, bem entendido. A invocação da inveja, além de imoral, é contraproducente, posto que a ênfase na expropriação dos que têm mais em prol dos que têm menos desencoraja o trabalho e incentiva o parasitismo. No final do processo, a inveja resulta na miséria geral, pois quem vai querer produzir para ser roubado? E se ninguém produz, o que o parasita vai parasitar?

"GLOBALIZAÇÃO" – Quando o homo sapiens emigrou há milênios de sua África natal para todos os recantos do planeta estava terminada a única "globalização" de fato relevante. Tratando-se de uma única espécie, gregária e sociável, nada mais natural do que a progressiva intensificação dos intercâmbios de todos os tipos entre seus componentes. A língua, o fogo, a roda, a escrita, a matemática, as religiões e muito mais coisas se "globalizaram" no curso do tempo. Então o que há de diferente e novo no que hoje se chama vulgarmente de "globalização"? Nada. Em boa parte o termo tem conotação negativa, identificado com capitalismo, imperialismo e bobagens do gênero. Para identificar a má-fé nessa campanha de desinformação propagandística basta constatar que seus autores são os mesmos que ainda ontem pregavam (e ainda pregam, embora em outros termos) o "internacionalismo proletário", isto é, a globalização do comunismo.

"EXCLUSÃO SOCIAL" – Olhem o infame "social" aí de novo! O termo "excluído" foi concebido pela intelectuária para substituir aos desgastados "proletário", "trabalhadore" e "camponês", malgrado corresponda, mais tecnicamente, ao que os marxistas clássicos rotulavam de "lumpenproletariado". Como a retórica da "esquerda" é cada vez mais vaporosa, contraditória e mutante, "excluído" pode identificar as mais diversas categorias. Hoje são os índios, para os quais se exigem terras equivalentes ao território de vários países, amanhã são os "sem-terra", que demandam o fim do "latifúndio" e a divisão de todas as terras em pequenas propriedades, e assim por diante.

"A LÓGICA DO CAPITALISMO" – A lógica é a disciplina filosófica que estuda a forma do raciocínio, pelo qual de premissas admitidas como certas se inferem conclusões necessárias, pois já implícitas nas premissas. Assim, quando um intelectual de "esquerda" fala em "lógica do capitalismo", essa expressão só é válida se o interlocutor aceita as premissas sugeridas. Quando, ao contrário, o interlocutor pretende justamente problematizar essas premissas, não há lógica nenhuma, e sim dialética. Infelizmente é quase impossível um intelectual de esquerda aceitar esse debate franco e aberto - dialético – acerca da real natureza do que se conhece como capitalismo. Para ele, premissas como "exploração", "egoísmo", "exclusão", "imperialismo" são artigos de fé (rectius: de má-fé) em toda e qualquer peroração sobre o assunto. E se o oponente prova cabalmente os múltiplos erros nos seus teoremas, o intelectual de esquerda recorre ao argumento ad hominem, também denominado por Ludwig von Mises de polilogismo, que se resume a colar no interlocutor impertinente a etiqueta odienta de "capitalista", que o torna inerentemente incapaz de sequer compreender a "lógica proletária", quanto mais refutá-la.

"AS FORÇAS CEGAS DO MERCADO" – O mercado é essencialmente um processo através do qual os fatores de produção (terra, trabalho e capital) são alocados segundo as demandas mais urgentes dos consumidores, processo esse não controlado e dirigido por nenhum órgão central. A maior e mais antiga controvérsia da economia, desde Adam Smith e até mesmo antes dele, tem por objeto a capacidade auto-reguladora do mercado. Para Smith e Bastiat, von Mises e M. Rothbard, o mercado é auto-regulável; para Malthus e Sismondi, Marx e Keynes, a economia de mercado sofre de contradições internas que acarretam sua destruição, exigindo, pois, a intervenção estatal para corrigir (ou abolir, no caso de Marx) as suas "falhas". Quem assevera que as forças de mercado são "cegas" está afirmando que o planejamento estatal é onisciente, ou menos falível do que o mercado. Nesse ponto temos que aplaudir a coerência dos socialistas totalitários (comunistas e nazistas), posto que, se o Estado é capaz de corrigir as falhas do mercado, deve logicamente suprimi-lo por completo. A posição dos socialistas fabianos (terceira via, keynesianos, sociais-democratas) nessa questão é frágil, vez que, se o Estado é intrinsecamente superior ao mercado na organização da economia, porque então não substituí-lo integralmente?

Por outro lado, se a intervenção do Estado no domínio econômico também é "cega", a economia será sempre um processo pelo qual cegos são guiados por cegos. E se algo pôde ser inferido de certo e conclusivo da calamitosa experiência econômica do século 20 é que a intervenção estatal é sempre "cega", muito embora conduzida por políticos, intelectuais e burocratas dotados de enorme "olho grande". Proponho ao leitor o seguinte teste empírico: a oferta de pão está em nosso país à cargo do mercado, enquanto que a provisão de serviços de segurança incumbe ao estado. Quem o atende com mais eficiência? Quanto a mim, não há dúvida. Eu viajei por todo o Brasil e não encontrei lugar em que não houvesse uma padaria disponível para se adquirir o tradicional pãozinho para o café da manhã. Por outro lado, sempre que necessitei de auxílio policial nas diversas ooprtunidades em que fui roubado ou furtado, fiquei frustrado. Imaginem só se a oferta de pães fosse monopólio estatal afetado a uma "Pãobrás" qualquer. Provavelmente não haveria pão em lugar nenhum, como não há em Cuba nem havia nos países comunistas.

"DIREITOS DAS MINORIAS" – Todo sujeito de direito é uma minoria de um, uma vez que ao seu direito corresponde o dever geral de não infringi-lo, conforme estabelecido na breve investigação acima sobre a natureza do Direito. De maneira que a expressão "direitos das minorias" é vazia. O direito do homossexual é precisamente o mesmo do heterossexual, como o direito do branco é o mesmo que o do negro, e assim por diante. A campanha dos "direitos das minorias" não passa de uma ofensiva da intelligentsia esquerdista contra o Estado de Direito com o fito de fomentar conflitos artificiais para depois "resolvê-los" via coerção policial. Não é outra coisa a recente importação da "affirmative action" (outra expressão melíflua e contraditória em seus termos) dos Estados Unidos pelo hediondo governo FHC, com sua infame política de quotas raciais. Isso equivale a institucionalizar o racismo num dos poucos países do mundo isentos desse problema. Até mesmo as mulheres, maioria da população, são qualificadas como "minoria", o que é ridículo.

"CONSCIÊNCIA CRÍTICA" – O intelectual de "esquerda" ama de paixão a palavra "crítica", desde que não seja jamais criticado. Para ele, somente aqueles que foram devidamente doutrinados nas idéias esquerdistas são indivíduos "conscientes" e "críticos". Ocorre que a peculiaridade de pessoas que pensam assim é exatamente a completa incapacidade de raciocinar criticamente, isto é, de pensar por si mesmas, articular argumentos e formar juízos objetivos e imparciais sobre a realidade. Na melhor tradição orwelliana, para o intelectual de "esquerda", "consciente" é o que para gente normal é "lobotomizado", e "crítico" traduz-se por "acrítico".

"SETORES CONSCIENTES E ORGANIZADOS" – Essa é clássica. Os intelectuais de "esquerda" denominam assim os grupos que estão inteiramente doutrinados e arregimentados por eles. Quem está fora é "alienado" ou "inimigo de classe".

"ELITES PERVERSAS" – Para os intelectuais de esquerda as "elites perversas" são sempre os outros, nunca eles mesmos, não obstante eles constituam evidentemente um grupo de elite. Reparem no Luis Fernando Veríssimo, por exemplo. Nascido em berço de ouro, educado nos Estados Unidos, escritor de um best-seller atrás do outro, prestigioso e regiamente pago colunista de grandes jornais, bajulado servilmente pela mídia, amigo e guru de políticos influentes e poderosos, ele costuma passar as férias em Paris. Se Veríssimo não integra a elite brasileira, a que classe ele pertence então? Mas o insensado escritor de "esquerda" e seus pares jamais se incluem na fina-flor da sociedade brasileira, a despeito de contribuirem mais do que ninguém para a formação da cultura do país, e daí naturalmente para a organização política nacional.

Fala-se muito no "poder econômico" das "elites", que seriam responsáveis pelo atraso e pela miséria no Brasil. Ora, e quem tem mais poder econômico nesse país do que o Estado, que inclusive detém o poder de criar dinheiro? Que indivíduo, que empresa, que elite se reveste do poder de tributar, de se apropriar de 34% do que se produz nacionalmente? Quem tem privilégios como estabilidade no emprego, vencimentos desvinculados da produtividade do trabalho, aposentadoria especial, remuneração muito acima da média nacional etc. etc. etc.? Ora, que eu saiba são os funcionários públicos a elite mais rica e poderosa do Brasil. O rendimento médio mensal de um servidor federal está por volta de R$ 3.355,09; já o assalariado do setor privado recebe em média R$ 751,60 por mês. Os funcionários federais aposentados e pensionistas ganharam em média R$ 2.474,37 ao mês; os aposentados do regime comum do INSS tiveram que se contentar com R$ 324,00 mensais em média. Acontece que a incessante ladainha dos intelectuais de "esquerda" é justamente atribuir ainda mais poder e mais dinheiro a essa elite insaciável, da qual a maioria deles faz parte. Isso é que é "utopia" em causa própria!

A lista acima é meramente exemplificativa. Cada leitor pode compor a sua própria lista, e, se uma vinte pessoas o fizessem, poderiam publicar uma enciclopédia de sofismas com uns dez volumes. O fato é que enquanto a linguagem continuar ideologicamente viciada como está nada vai mudar nesse país – salvo para pior.

9 de jan. de 2012

O AA do Moreno

Ele vai, mas fica no térreo; o problema no joelho, as escadas...

Ministério da Verdade

por Marco Antonio Villa

Estamos vivendo um tempo no qual os donos do poder exigem obediência absoluta.
No Congresso, a oposição representa apenas 17,5% das cadeiras. O governo tem uma maioria digna da Arena. Em 1970, no auge do regime militar, o MDB, partido de oposição, chegou a examinar a proposta de autoextinção. Quatro anos depois, o mesmo MDB venceu a eleição para o Senado em 16 dos 22 Estados existentes (no Maranhão, o MDB nem lançou candidato).
Ou seja, a esmagadora maioria de hoje pode não ser a de amanhã. Mas, para que isso aconteça, é necessário fazer algo básico, conhecido desde a antiga Grécia: política.
É nesse terreno que travo o meu combate. Sei que as condições são adversas, mas isso não significa que eu tenha de aceitar o rolo compressor do poder. Não significa também que eu vá, pior ainda, ficar emparedado pelos adversários que agem como verdadeiros policiais do Ministério da Verdade.
(...)
A minha questão é com a forma como o governo federal montou uma política de poder para asfixiar os opositores. Ela é muito mais eficiente que as suas homólogas na Venezuela, no Equador ou, agora, na Argentina.
Primeiro, o governo organizou um bloco que vai da direita mais conservadora aos apoiadores do MST. Dessa forma, aprova tudo o que quiser, com um custo político baixo. Garantindo uma maioria avassaladora no Congresso, teve as mãos livres para, no campo da economia, distribuir benesses ao grande capital e concessões aos setores corporativos. Calou também os movimentos sociais e sindicatos com generosas dotações orçamentárias, sem qualquer controle público.
Mas tudo isso não basta. É necessário controlar a imprensa, único espaço onde o governo ainda encontra alguma forma de discordância. No primeiro governo Lula, especialmente em 2005, com a crise do mensalão, a imprensa teve um importante papel ao revelar as falcatruas - e foram muitas.
No Brasil, os meios de comunicação têm uma importância muito maior do que em outras democracias ocidentais. Isso porque a nossa sociedade civil é extremamente frágil. A imprensa acaba assumindo um papel de enorme relevância.
Calar essa voz é fechar o único meio que a sociedade encontra para manifestar a sua insatisfação, mesmo que ela seja inorgânica, com os poderosos.
Já em 2006, quando constatou que poderia vencer a eleição, Lula passou a atacar a imprensa. E ganhou aliados rapidamente. Eram desde os jornalistas fracassados até os políticos corruptos - que apoiavam o governo e odiavam a imprensa, que tinha denunciado suas ações “pouco republicanas”.
Esse bloco deseja o poder absoluto. Daí a tentativa de eliminar os adversários, de triturar reputações, de ameaçar os opositores com a máquina estatal.
É um processo com tinturas fascistas, que deixaria ruborizado Benito Mussolini, graças à eficiência repressiva, sem que se necessite de esquadrões para atacar sedes de partidos ou sindicatos. Nem é preciso impor uma ditadura: o sufrágio universal (sem política) deverá permitir a reprodução, por muitos anos, dessa forma de domínio.
Os eventuais conflitos políticos são banais. Por temer o enfrentamento, a oposição no Brasil tenderá a ficar ainda mais reduzida e restrita às questões municipais e, no máximo, estaduais.