Algumas
das estrelas têm uma história ilustre. A observação do posicionamento delas está
ligada à descoberta da precessão dos equinócios por Hiparco (c. 180-125 a .C.), que é uma das
descobertas fundamentais da astronomia. Sabe-se hoje que a precessão consiste
numa oscilação muito lenta do eixo de rotação da Terra, que altera a posição
dos pólos celestes e a intercessão do equador com a eclíptica. É graças à
precessão que o pólo norte celeste tem vindo a aproximar-se da Estrela Polar. É
também graças à precessão que as estrelas do Cruzeiro do Sul, visíveis em
Alexandria no tempo de Ptolemeu (c. 90-168 d.C.), já não são agora visíveis a
essa latitude.
A
história da descoberta e apropriação desta cruz celeste é uma história mítica
da astronomia e das ciências da navegação. Quando os portugueses começaram a
descer a costa da África e, sobretudo, quando ultrapassaram a simples navegação
costeira e começaram a seguir as grandes correntes e ventos atlânticos,
passaram a utilizar sistematicamente marcos celestes para conhecerem a latitude
do lugar em que se encontravam. A princípio, podia-se seguir a estrela polar e
medir a sua altura – essa altura angular corresponde à latitude norte do lugar.
À medida que os navegadores se iam aproximando do equador, a estrela polar
começava a mergulhar no horizonte, tornando-se difícil, e depois impossível,
medir a sua altura.
Quando
a Polar mergulhou no oceano, perdeu-se um marco celeste crucial para a
navegação. Os marinheiros portugueses passaram a poder utilizar somente a
medida da altura do Sol, medida mais fácil de efetuar mas de aplicação mais
complexa, pois exigia o recurso a tabelas de declinação da nossa estrela. A
altura do Sol de meio-dia depende não só da latitude como também do dia do ano.
As tabelas permitiam compensar esses fatores e assim calcular a latitude em que
os viajantes se encontravam. Mas continuava a convir aos exploradores ter uma
medida noturna da latitude e um ponteiro cardeal, pelo que procuraram uma
estrela que desempenhasse em latitudes austrais o papel que a polar
desempenhava no hemisfério norte.
A
procura da “polar do sul”, ou seja, de uma estrela brilhante que se encontrasse
no pólo sul celeste ou muito perto deste, é uma demanda que ocupa os cosmógrafos
e os pilotos dos séculos XV e XVI. Portugueses, espanhóis e, mais tarde,
ingleses e holandeses, todos eles revelam essa preocupação central. Veio a
verificar-se que não existe tal estrela no pólo sul (a estrela visível a olho
nu que está mais perto do pólo sul celeste é a sigma de Octante, uma estrela de
quinta magnitude, apenas visível em boas condições atmosféricas e, portanto,
pouco útil para a navegação), ao contrário do que era imaginado por muitos
cosmógrafos, que concebiam o hemisfério celeste boreal à semelhança do
hemisfério austral conhecido (Alvise de Cadamosto, navegador veneziano ao
serviço do Infante D. Henrique, escreveu, na sua descrição da sua viagem ao rio
Gâmbia em 1454: “como continuo a ver a estrela polar do norte, não posso ainda
ver a estrela polar do sul”).
Os
marinheiros, que começaram a aproximar-se do equador e a ultrapassá-lo para
sul, pesquisaram cuidadosamente o céu, procurando ver quais seriam as estrelas
que menos rodariam ao longo da noite. As que descrevessem arcos menos extensos,
com raio menor, seriam as que se aproximariam da polar. A desejada estrela
seria a que nenhum movimento manifestasse, vendo-se todo o firmamento rodar em
seu torno. Como se sabe, não foi encontrada a almejada guia dos viajantes, pela
razão simples de que não existe, mas os pilotos dos navios portugueses
descobriram que a haste maior do Cruzeiro do Sul aponta para o pólo. Foi esse
asterismo que passou a servir de guia aos que enfrentavam os mares a sul do
equador.
Pouco
mais tarde, em 1514, o Piloto João de Lisboa escreveu um completo Regimento do
Cruzeiro do Sul, em que explicava como se podia utilizar tal constelação para
determinar o pólo austral verdadeiro e para corrigir as leituras da bússola.
Nesse mesmo documento, João de Lisboa fornece um mapa celeste em que desenha o
Cruzeiro do Sul com notável precisão. E o piloto de D. Manuel revela que está
apenas a descrever estudos efetuados oito anos antes em Cochim, de parceria com
Pêro Anes. Quer dizer, segundo a descrição de João de Lisboa já em 1506 os
pilotos portugueses destacavam um agrupamento de estrelas a que chamavam
Cruzeiro do Sul e já tinham conhecimento do seu valor para a navegação.
A
descoberta do Cruzeiro do Sul e a exploração dos céus austrais está associada à
histórica viagem de Pedro Álvares Cabral e foi escrita com estrelas heráldicas
na bandeira moderna do moderno Brasil.
(Extraído daqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário