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9 de out. de 2010

Sucedido e acontecido, hoje, comigo

Até parece aquela situação da piada, mas estava sentado na cadeira do barbeiro, embrulhado naquele pano que nos deixa sem movimentos, e o barbeiro, com a navalha no meu pescoço, ...fazendo propaganda para a Dilma...

Na televisão ao lado do espelho, sintonizada na Record porque ele é membro da Igreja Universal, eis que entra o horário político e surge a Dilma na tela, equilibrando-se na corda bamba, a favor da vida e coisa e tal, e eu dei risada e comentei: " - essa aí tá fazendo de tudo para se livrar dessa questão do aborto".

O camarada parou, tergiversou e extravasou uma opinião genérica: " - agora é a hora dos candidatos começarem a falar dos podres uns dos outros"; mas logo a seguir voltou ao seu leito: " - tão dizendo até que ela é terrorista, a favor do aborto...", e por aí afora, como quem diz: é tudo conversa fiada, pura questão eleitoral. Tinha certezas afiadas como navalhas.

Não quis demovê-lo, ao menos explicitamente. Seria inútil. Está ambientado num meio que o ampara em troca de sua comunhão com os valores de seus iguais. Sua vida social gira em torno das referências construídas, mantidas e exigidas pela comunidade a que está circunscrito. E para que haja comunicação com o indivíduo natural que há por baixo da casca de sua socialização é necessária outra linguagem, não argumentativa, feita de gestos, de risadas, de ironia nos olhos; e também de demonstrações de independência associadas à consideração pela diferença; de afirmações de um distanciamento notável e intrigante: indução, enfim, em vez de demolição. Só o indivíduo pode construir as certezas que lhe sejam próprias.

E saí com meu pescoço inteiro, além de ter plantado a semente da dúvida, destinada a germinar no silêncio atento da consciência.

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