Nunca antes na história destepaiz,
como diria aquele, o Supremo foi submetido a tal enxovalho. É inútil
tapar o sol com a peneira ou buscar uma leitura benigna para as coisas
que estão em curso. Dia desses, um querido amigo, contaminado, quem
sabe?, pela leitura de Cândido, de Voltaire — e tomando ao pé
da letra o que lá ia, não como ironia —, sugeriu que o fato de o Supremo
estar constantemente na berlinda era um bom sinal. Evidência, disse
ele, de que temos uma democracia viva, de que os senhores ministros não
se fecham mais numa torre de marfim. Trata-se, sem dúvida, de uma
leitura benigna e otimista do que, entendo, é manifesta expressão de
decadência. Caberá aos ministros ciosos do seu papel institucional
pensar também no destino do tribunal — e, pois, no futuro de todos nós.
Não! Os
fanáticos de Dirceu podem ensarilhar seus adjetivos de guerra. Não estou
aqui a sugerir que os ministros ignorem os autos e votem de acordo com a
opinião pública. Aliás, segundo o presidente do PT, este bom povo
brasileiro está mesmo é interessado no destino das personagens de
“Avenida Brasil”. Pode ser. De tanto ver triunfar na vida real os
pilantras, há a possibilidade de que busque viver a satisfação, ao menos
na fantasia, de ver os espertalhões passando por algum aperto.
Do que vi
da novela até agora, senhor Rui Falcão, aquilo a que se chama “povo” —
essa categoria que vocês por aí têm a ambição de manter sob controle —
pode não ter lá o gosto muito apurado, pode ser ruidoso e pouco
refinado, pode chocar pela franqueza, mas tem caráter e vive com o suor
do próprio rosto, não com o do alheio. E, claro!, há por lá os
pilantras, os enganadores, os safados. É possível, sim, senhor Rui
Falcão, que uma boa parte da opinião pública prefira a ficção como
critério de realidade porque a realidade consegue ser mais
estupefaciente do que qualquer ficção.
Quero,
sim, que os ministros julguem de acordo com os autos, mas espero que não
brindem o país com a vigarice teórica — ninho retórico da impunidade e
do enxovalho ao estado de direito — de transformar os tais autos numa
janela para a impunidade, CONTRA O DOMÍNIO DOS FATOS. Não há
escapatória: os 11 do Supremo estarão dizendo até onde os homens
públicos podem ir e, também, até onde aquela Casa se presta à
intervenção de forças que lhes são externas.
Não,
eu não quero que o Supremo julgue sob a pressão das ruas. Mas eu também
não quero que o Supremo julgue sob a pressão de um partido. Não, eu não
quero que o Supremo julgue para atender aos reclamos da opinião
pública. Mas eu também não quero que o Supremo julgue para atender aos
reclamos de opiniões privadas. Não, eu não quero que o Supremo julgue
contra as provas. Mas eu também não quero que o Supremo julgue contra os
fatos.
Que futuro
terá um país em que um Marcos Valério saia do tribunal com atestado de
boa conduta? E que futuro terá esse tribunal? Que futuro terá um país em
que um Delúbio Soares saia do tribunal com atestado de boa conduta? E
que futuro terá esse tribunal? Mas e Dirceu? Faltam evidências de que
fosse o chefe inconteste do partido, de sua política de alianças e de
sua relação com os aliados??? Como se realizava materialmente, e segundo
quais critérios, essa convergência de interesses? Tenham paciência!
Estou
nessa profissão há 25 anos. Saibam, senhores ministros do Supremo: nunca
se fez tanta chacota do STF, se desconfiou tanto de seus critérios, se
especulou tanto sobre a motivação de alguns de seus integrantes. E não
porque isso seja consequência do escrutínio democrático. O ponto é
outro. Dá-se como certo que, para alguns, os princípios da lei e do
decoro se subordinam às imposições de uma tarefa de natureza partidária.
Antes, debatia-se a doutrina; agora se debate quem obedece ao comando
de quem.
O
Supremo estará decidindo, em suma, se vai fazer réu o povo brasileiro e
condená-lo a uma pena eterna: viver num país esculhambado, em que aquele
que deveria dar o exemplo só resta impune porque se aprimorou nas artes
do crime.
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