A LEI DA ESCASSEZ
José Pio Martins
Definitivamente, Deus não é socialista. Ele não distribuiu a inteligência e os dons artísticos de forma justa e proporcional. Na adolescência, fiquei bronqueado com o Criador quando tentei jogar futebol e constatei que, em relação a mim e Pelé, nosso Senhor foi cruel. Ao Rei, Ele deu tudo; a mim, só mediocridade. Testei o Criador mais uma vez, quando fui estudar música. Novamente Ele me decepcionou. A Beethoven, Deus fez um gênio; a mim, um selvagem musical. Achei melhor dedicar-me a uma profissão que lidasse com números, porque nisso eu era bom. Mas o que isso tem a ver com economia?
Virou moda, no Brasil, acreditar-se em duas bobagens. Uma, que basta vontade política para implantar o paraíso na Terra. Outra é achar que a lei seja capaz de produzir milagres. O fenômeno repetiu-se na discussão do reajuste do salário mínimo. Determinado dirigente público chegou a afirmar que bastou vontade política ao governo do Paraná para fixar o maior salário mínimo estadual do país.
Sem entrar no mérito do salário mínimo no Paraná, cabe perguntar: se o problema é apenas questão de “vontade política”, por que economizar na bondade? Por que não fixar o mínimo em dois mil reais? Ouvi um empresário afirmar que inflação se combate com vontade política e não com elevação da taxa de juros. Se ele quis dizer que é preciso vontade para agir, tudo bem. Mas, se quis dizer que a vontade substitui medidas de caráter econômico seria a primeira vez que alguém garante ser possível combater inflação com uma emoção: a vontade.
Felizmente, a Constituição protege o direito de enunciar bobagens e ninguém precisa se preocupar. Não há punição para a estupidez. O problema é que um parlamentar custa caro, para sair por aí dizendo coisas sem sentido. O chanceler alemão Konrad Adenauer tinha razão, quando também reclamava do Criador, ao afirmar: “O bom Deus, que limitou a inteligência dos homens, infelizmente não limitou a estupidez”.
Se vontade política e leis jurídicas resolvessem os problemas econômicos, bastaria exportar alguns legisladores para as nações pobres que a fome e a miséria seriam banidas naqueles países. Afora as ironias, só há uma forma de aumentar a fatia média do bolo de cada indivíduo: pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima do crescimento da população. Ou seja, a produção de pão tem de aumentar mais que o aumento do número de bocas. Então, por que o PIB não cresce mais? Por uma razão simples: escassez dos fatores de produção, de que os dois principais são a força de trabalho e o estoque de capital.
A força do trabalho é medida pelo número de trabalhadores multiplicado pela quantidade de horas anuais trabalhadas. O capital é a soma dos instrumentos de produção à disposição da população (estradas, pontes, prédios, portos, aeroportos, máquinas, ferramentas, equipamentos, aparelhos, móveis, etc). Também é importante a “habilidade” com que o trabalhador maneja o capital. Se dermos a dois trabalhadores dois machados e duas toras de madeira para que produzam lenha, ao final do dia o volume de lenha de um será diferente do outro. A essa habilidade no uso do machado chamamos “tecnologia”.
Agora, imaginemos que a um terceiro lenhador seja dada uma motosserra elétrica. Este certamente produzirá muitas vezes mais do que os dois primeiros juntos. Não porque ele seja mais habilidoso, mas apenas porque lhe foi dado um “bem de capital” muito mais poderoso e mais eficiente. Pois bem, o número de trabalhadores, a quantidade de horas trabalhadas anualmente, o tamanho do estoque de bens de capital e o nível tecnológico são, todos, fatores limitados e escassos. Por isso, o tamanho do produto anual é limitado. Em países muito pobres, essa limitação (escassez) é tão grande, que o PIB é incapaz de alimentar minimamente a população.
A lei da escassez é uma das principais restrições ao progresso material da humanidade. Ela não é única. Há outras leis econômicas envolvidas no processo produtivo e somente com educação, desenvolvimento tecnológico, ética nas relações sociais e trabalho eficiente um país consegue progredir e vencer a fome e a miséria. Leis jurídicas são importantes, são um bem público, mas elas não têm a capacidade de superar limites e restrições físicas. Elas podem ajudar, mas não substituir os fatores reais de produção. Nenhuma vontade política e nenhuma lei podem me transformar num Pelé ou num Beethoven.
José Pio Martins, economista, é Reitor da Universidade Positivo.
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