por Augusto Nunes
“Os
executores de Celso Daniel começaram a ser castigados. Chegou a hora de
identificar e punir os mandantes do assassinato”, informa o título do post de
18 de novembro de de 2010. Passados dois anos, as ameaças de Marcos
Valério exigem a republicação do texto. Ao escapar da merecidíssima punição
pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, o ex-ministro
Antonio Palocci inventou o estupro sem estuprador. Quase 11 anos depois da
morte do prefeito de Santo André, gente que se acha muito esperta continua
tentando inventar o crime encomendado sem mandante.
Com
o silencioso aval da oposição e o endosso explícito do governo, o PT decidiu
que o assassinato de Celso Daniel foi um crime comum. Esqueceram de combinar
com a imprensa, que continuou investigando o caso, com a família da vítima, que
desafiou as pressões dos interessados em enterrar a história, e sobretudo com o
Ministério Público, comprovou em novembro de 2010 o julgamento de Marcos
Roberto Bispo dos Santos no foro de Itapecerica da Serra. O promotor Francisco
Cembranelli provou que o crime foi político e acusou o réu de participação no
sequestro seguido de assassinato encomendado pela quadrilha de políticos
corruptos que agia na prefeitura de Santo André.
Os
jurados avalizaram a argumentação de Cembranelli e condenaram Bispo dos Santos,
foragido, a 18 anos de reclusão em regime fechado. O Ministério Público não
está sob o controle do Executivo, reiteraram o destemor e a objetividade de
Cembranelli. Não são poucos os brasileiros capazes de enxergar as coisas como
as coisas são, reafirmou a decisão do júri. E ainda há juízes no Brasil, mostrou
Antonio Augusto Galvão de França Hristov, que determinou a duração do castigo
imposto ao homicida.
O
país que presta espera que seja só o começo. Bispo dos Santos foi o motorista
de um dos dois carros mobilizados para a captura de Celso Daniel. Faltam os
outros integrantes da milícia formada por assassinos de aluguel. E faltam os
mandantes. Por enquanto, o único formalmente acusado de figurar entre os
autores da encomenda é Sérgio Gomes da Silva, vulgo Sombra, ex-assessor e
segurança do prefeito executado, que aguarda o julgamento em liberdade.
Em
janeiro de 2002, os supostos amigos voltavam do jantar num restaurante em São Paulo quando ─ segundo o relato de Sombra ─
um grupo de bandidos interceptou o carro blindado que dirigia e arrancou Celso
Daniel do banco ao lado. Horas depois, o corpo foi encontrado numa estrada de
terra no município de Itapecerica da Serra, desfigurado por marcas de tortura e
inúmeras perfurações a bala.
O
depoimento de Sombra na delegacia deixou intrigada a mais crédula das carmelitas
descalças. Ele diz que não tentou escapar porque o câmbio hidramático emperrou.
O fabricante do veículo desmontou a versão malandra. Nem o depoente nem os
policiais que o interrogaram decifraram outro enigma: por que os sequestradores
permitiram que uma testemunha ocular sobrevivesse ─ e para contar uma história muito mal contada?
Por
que Sombra e Celso Daniel, por exemplo, não permaneceram no interior do carro
blindado? Como foi destravada a porta do passageiro, que só poderia abrir por
dentro? Por que Sombra não pediu socorro assim que os bandidos se afastaram? Se
aquilo não passara de um assalto, por que nenhum dinheiro, nada de valioso foi
levado? Por que Celso Daniel foi torturado antes da morte? O que os
torturadores desejavam saber? O que procuravam?
Logo
se juntaram as peças do mosaico. Na segunda metade dos anos 90, empresários da
área de transportes e pelo menos um secretário municipal, todos vinculados ao
PT, haviam forjado em
Santo André o embrião do esquema do mensalão. Recorrendo a
extorsões ou desvios de dinheiro público, a quadrilha infiltrada na
administração municipal garantia parte da gastança com as campanhas do partido.
A multiplicação das boladas aguçou a cobiça de alguns quadrilheiros, que
começaram a embolsar quantias de bom tamanho. Escolhido para o papel de
coordenador da candidatura de Lula na disputa presidencial de 2002, Celso
Daniel achou melhor desativar o esquema criminoso. Foi punido com a morte.
Em
julho de 2005, a
TV Bandeirantes divulgou o escabroso conteúdo de conversas telefônicas entre
Sombra, Gilberto Carvalho, secretário particular de Lula, e o advogado Luiz
Eduardo Greenhalgh, encarregado pelo PT de impedir que as investigações
avançassem. Feitas por solicitação do Ministério Público, as gravações pilharam
o trio em tratativas destinadas a enterrar a história de vez. Na hipótese menos
inquietante, comprovam que Altos Companheiros tentaram obstruir a ação da
polícia e da Justiça quando o cadáver do prefeito de Santo André ainda esfriava
na sepultura.
Numa
das fitas, Gilberto Carvalho procura amainar a inquietação de Sombra. “Marcamos
às três horas na casa do José Dirceu”, informa o secretário do presidente da
República. “Vamos conversar um pouco sobre nossa tática da semana, né? Porque
nós temos que ir para a contra-ofensiva”. A voz de Sombra revela que o suspeito
ficou menos intranquilo ao saber da movimentação fraternal. “Vou falar com meus
advogados amanhã, nossa ideia é colocar essa investigação sob suspeição”.
Carvalho concorda com a manobra: “Acho que é um bom caminho”.
Em
outra conversa, a inquietação de Sombra fora berrada ao parceiro Klinger
Oliveira, secretário de Assuntos Municipais de Santo André. “Fala com o
Gilberto aí, tem que armar alguma coisa!”, exalta-se o último companheiro a ver
o prefeito vivo. “Só quero que as coisas sejam resolvidas!” Além do nervosismo
de Sombra, causava preocupação à equipe especializada em socorrer suspeitos o
comportamento do médico João Francisco Daniel, irmão do assassinado.
Como
o caçula Bruno, João Francisco sempre afirmou que Celso se condenou à morte ao
resolver desmontar a máquina de fazer dinheiro que ajudara a instalar nos
porões da prefeitura. Ao notar que fora longe demais, Celso contou ao irmão que
decidira entregar a dirigentes do PT um dossiê que detalhava as patifarias. E
transformou o irmão numa testemunha de alto risco para os padrinhos de Sombra.
Como neutralizar o homem-bomba?
A
interrogação aquece uma das conversas entre Gilberto Carvalho e Greenhalgh.
“Está chegando a hora do João Francisco ir depor!”, alerta o advogado do PT.
“Antes do depoimento preciso falar com você para ele não destilar
ressentimentos lá!”. Gilberto se alarma com o perigo iminente. “Pelo amor de
Deus, isso vai ser fundamental! Tem que preparar bem isso aí, cara, porque esse
cara vai… Tudo bem”. Os donos das vozes nas fitas recitam desde 2002 que houve
um crime comum. Se foi assim, por que tirou o sono de tantos figurões da
política brasileira?
O
promotor Francisco Cembranelli provou que Celso Daniel foi vítima de uma
conspiração tramada por bandidos vinculados ao PT de Santo André e consumada
por um grupo de matadores profissionais. O Brasil quer ver esclarecidas tanto a
eliminação de Celso Daniel quanto a sequência de mortes misteriosas que
silenciou oito testemunhas. E quer ver na cadeia todos os culpados ─ incluídos os mandantes. As gravações podem ajudar a
identificá-los. As conversas entre Sombra, Greenhalgh e Carvalho não se limitam
a escancarar uma mobilização política. Documentam a movimentação de comparsas.
Crimes
que envolvem muita gente sempre são esclarecidos. Até Marcos Valério acabou
entrando na história. Chegou a hora de esclarecer de vez o caso insepulto.
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