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17 de abr. de 2013

Requiem para uma grande dama


por Kátia Abreu

Sobre a morte de Margaret Thatcher já se pronunciaram os grandes deste mundo. Também a grande imprensa em todos os países. Sobre sua vida, sua obra e suas ideias, há vasta literatura. Não será presunção ou perda de tempo eu também falar sobre ela?

A verdade é que não consigo fugir do tema. Do modo como está o mundo, notadamente a Europa e a América Latina, nunca foi tão necessário compreender e refletir sobre a obra política e intelectual dessa mulher. Em breves 11 anos, Thatcher reconstruiu a economia de seu país e, nas palavras insuspeitas do historiador inglês Tony Judt, pôs abaixo o consenso do pós-guerra e construiu um novo no lugar.

Novo consenso que foi adotado pelos adversários — os trabalhistas ingleses que passaram a se chamar novos trabalhistas para se acomodarem ao novo figurino — e também pelos países do Leste da Europa e até pela América Latina. Para quem não acredita no poder das grandes pessoas e acha que a história segue seu destino de forma determinista, apesar dos homens, o próprio Tony Judt notou que a qualquer pessoa na Inglaterra, que adormecesse em 1978 e despertasse 20 anos depois, o país pareceria muito estranho. Totalmente diferente do que era e muito diferente de todo o resto da Europa.

Isso foi obra de uma mulher quase solitária, a quem nos momentos mais difíceis faltou apoio. Faltou até mesmo a solidariedade do próprio partido, que havia perdido os princípios e assistia impassível, em companhia dos adversários, à lenta decomposição da economia e da sociedade inglesas.

É preciso continuar falando de Margareth Thatcher além das celebrações fúnebres porque a política no mundo, e aqui na América Latina, tem muito a ganhar com sua inspiração. Quando ela chegou ao poder no Reino Unido, em 1979, o sentimento generalizado era de que a política no país tinha perdido contato com a vida real e o controle sobre a economia, o trabalho e as ruas.

As instituições políticas não tinham mais o sentido de sua finalidade nem a confiança dos cidadãos. Grupos organizados haviam tornado a nação refém dos interesses de classe e não havia mais quem defendesse o interesse geral. Inflação alta, recessão, conflitos intermináveis. Parecia que os ingleses caminhavam para o fim.

Se dependesse da política convencional, tudo estaria perdido. Políticos, em toda parte, gostam dos interesses especiais porque sabem ser ruidosos, ativos e, sobretudo, gratos. Já o bem comum, como dizia o velho político mineiro, é bem nenhum. Não é preciso lembrar que Thatcher abraçou o bem comum contra tudo e, em alguns momentos, contra quase todos. No limite, os próprios companheiros queriam que ela voltasse atrás. Ela não voltou.

A Dama de Ferro reformou a economia inglesa, acabou com a tirania dos grupos corporativos, privatizou os mastodontes estatais que só existiam para servir aos funcionários, sem nenhuma consideração com a sociedade. Promoveu o renascimento do verdadeiro Estado, que se tornou mais forte depois dela, e reconstruiu a política, o seu partido e o partido adversário. Em uma década, a Inglaterra era outra.

Tivesse Thatcher feito apenas isso, já seria obra gigantesca. Mas ela foi muito além, pois recuperou a autoridade moral da economia de mercado, posta sob suspeição por intelectuais e políticos que proclamavam a superioridade moral do socialismo e demonizavam a propriedade e a iniciativa privada.

Seu credo era simples e verdadeiro: só os indivíduos criam riqueza; o progresso econômico é um bem em si mesmo; a economia precisa de inovação, de riscos, de competição e de liberdade. O comércio mundial deve ser livre e as pessoas não precisam que o Estado tome decisões em seu lugar. São lições que a Europa em crise e a nossa incorrigível América Latina precisam ouvir. Como bem disse a revista The Economist, nestes dias o mundo precisa de mais — não de menos — thatcherismo.

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