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3 de abr. de 2010

Um dos itens da pauta da Reconstrução

Publicado no jornal Zero Hora, de Porto Alegre:

"No Brasil, só vai para a cadeia quem é pobre"

Carlos Eduardo Ribeiro Lemos
Juiz da 5ª Vara Criminal de Vitória, no Espírito Santo

Aos 41 anos, os últimos 10 no cargo de juiz, Carlos Eduardo Ribeiro Lemos está na linha de frente do combate à corrupção no Espírito Santo, Estado que tem sido marcado pela ação do crime organizado. Titular na 5ª Vara Criminal de Vitória, Lemos já se defrontou com o assassinato de um colega após as denúncias que ambos fizeram contra a conduta de outro magistrado, suspeito de corrupção. A seguir, a síntese:

Zero Hora – Por que figurões não cumprem pena de prisão no Brasil?

Carlos Eduardo Ribeiro Lemos – Parece estranho um juiz dizer isso, mas acho que só vai para a cadeia quem não tem defesa. E isso só acontece com os pobres. Apesar de a Constituição garantir a assistência jurídica gratuita, sabemos que as Defensorias Públicas têm estruturas precárias. Para os indefesos, o procedimento criminal acontece de forma mais rápida, por não haver recursos procrastinatórios, e as pessoas vão presas. Quem tem condições financeiras consegue postergar o julgamento por anos.

ZH – A responsabilidade seria dos advogados?

Lemos – Um antigo professor meu dizia que advogado, quando vê que vai perder a causa, não deixa o processo andar. Essa é uma triste realidade. O sistema jurídico brasileiro não discute mais direito, discute processo. Ou seja, não discutimos se a pessoa é ou não culpada, mas sim as filigranas processuais. Os bons advogados não deixam os processos acabarem porque a gama de recursos existentes no Brasil chega a dezenas. São recursos meramente procrastinatórios, que levam à prescrição. Os advogados só querem ganhar tempo e contam com a morosidade da Justiça. No Espírito Santo, há uma dezena de crimes cometidos por pessoas ligadas à Assembleia Legislativa e ao governo estadual que prescreveram porque não se conseguiu fazer o julgamento no prazo-limite.

ZH – Que problemas o senhor vê na legislação?

Lemos – Minha opinião é minoritária no Brasil, mas acho que hoje estamos no sentido contrário ao da Europa e dos Estados Unidos. Aqui, a Constituição diz que a pessoa só é condenada após o trânsito em julgado, ou seja, quando não existir mais possibilidade de recurso. Não se pode executar a pena de ninguém que ainda tenha possibilidade de recorrer. Na Europa não é assim. Lá, a pena pode ser executada após a condenação em primeiro grau. E o juiz de primeiro grau é o cara que olha nos olhos do réu, que olha nos olhos de todas as testemunhas, dá o direito de defesa e avalia a presunção da inocência do acusado. Na dúvida, ele o absolve. Mas o juiz de primeiro grau hoje não vale nada no Brasil. E o pior: nos tribunais superiores, ninguém vai olhar nos olhos de ninguém, não vai haver interrogatório, só vai ser analisado o que está no papel, de maneira fria.

ZH – Como é possível mudar esse cenário?

Lemos – Temos de dar mais valor à decisão do juiz de primeiro grau. Como alguém pode entender que o cara condenado à prisão continue solto? Em caso de condenação no primeiro grau, a pena tem de ser executada. Obviamente, o réu continuaria tendo direito aos recursos, mas os recursos deixariam de ser protelatórios. O advogado faria recursos realmente para serem julgados. Não teria interesse em postergar nada, uma vez que o cliente já estaria cumprindo a pena. E os tribunais teriam de se adequar para julgar os recursos rapidamente.

ZH – Nós elegemos corruptos ou é o sistema que corrompe?

Lemos – O Brasil não é menos nem mais corrupto do que qualquer outro país. Nossa diferença é que não há quem fiscalize. Tenho muito orgulho de ser juiz e muita vergonha de participar de um Judiciário que ainda tem muita corrupção. É vergonhoso ver juízes em carros importados, vivendo em apartamentos de milhões de reais. É totalmente incompatível com o salário. Mas aqui ninguém faz nada.

ZH – Qual o custo pessoal e familiar do combate ao crime organizado?

Lemos – Tenho sorte de ter a mulher que tenho. Um colega, pela pressão da esposa, teve de deixar os casos. Compreendo o medo, pois o custo é muito alto. Já recebi muitos telefonemas de ameaça, e houve uma tentativa de sequestro da minha mulher. Andamos com escolta há quase 10 anos. Minha mulher vai comprar lingerie com a presença do segurança, e eu só vou onde a escolta permite. Meu filho mais novo, de nove anos, cresceu com a presença dos policiais. A gente tinha um apartamento na praia, mas vendemos porque não dava para tirar férias e pagar aluguel de outro apartamento para abrigar os seguranças. Agora, tiramos férias sempre longe do Estado.

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