“Com o tempo e a vertigem da impunidade, o grupo dirigente construiu uma máquina de arrecadação de recursos, através de operações financeiras não contabilizadas, que transformaram o governo numa árvore de decisões de corrupção sistêmica.”
Waldo Luís Viana*
O governo atual virou uma árvore imensa cujos frutos tornaram-se azedos e amargos, em virtude da presença parasitária das plutocracias e oligarquias que formam uma rede invencível e pós-moderna, alimentada através da seiva de corrupção que corre dentro dele.
Criando gosto pela vitória fácil no terreno eleitoral, que gera frutos através do abuso do poder econômico, externalização de capitais e caixas 2 e 3, recolhidos às escuras através de apanhadores escolhidos e adestrados – os atuais dirigentes aburguesaram-se completamente, tornando-se arremedo, caricatura e metamorfose ambulante do próprio passado.
Hoje, aboletados nas boquinhas estatais ou em mandatos, tencionam enriquecer rapidamente para enfrentar as próximas eleições e não têm a menor vergonha de desdizer tudo o que disseram por anos seguidos.
É claro que ainda recorrem a Gramsci, do mesmo modo como os decrépitos dirigentes da ex-burocracia soviética se referiam a Marx, Lênin e Stálin para apoiar seus decadentes projetos ditatoriais. Quando a União Soviética implodiu, nos anos 1990, apanharam os capitais acumulados fraudulentamente no exterior e voltaram para a “nova” pátria para abocanhar o velho poder através de máfias capitalistas instantaneamente constituídas.
No Brasil, da segunda década do século XXI, a esquerda carcomida e sem ideologia virou “socialista de mercado”, isto é, apoia um vale-tudo para manter o poder a qualquer preço, privatizando o Estado através de um projeto que aceita desde os coronéis da direita oligárquica e seus agentes até banqueiros de esquerda. Aliás, a revolução socialista nacional (ou nacional-socialista) com certeza será instaurada, sem dúvida, com o dinheiro de nossos maiores bancos e estatais...
Até mesmo o tal Gramsci, tão acalentado como ideólogo do nosso bordelzinho pós-moderno, foi ultrapassado pelo realismo eleitoral, que precisa arrebanhar as fatias fisiológicas dos partidos, montando uma coalizão sem rosto, mantida a custa da distribuição de cargos em todos os escalões e de um ministério medíocre e completamente invertebrado.
A putaria na mídia e o futebol empolgante completam o quadro, encantando o povão narcotizado, que não tem qualquer meio de protestar diante da cruel realidade em que vive e da qual nem suspeita, porque o pão e circo viraram política de Estado. É a alienação marxista às avessas, dialeticamente aplicada para fazer calar qualquer movimento ou processo social reivindicatório.
As Forças Armadas, tornadas esquadrões empobrecidos, técnicos e despolitizados, assistem a tudo impassíveis, tropas de mobilização da ONU, tapa-buracos de pontes e distribuidoras de mantimentos para desabrigados de tragédias naturais. Serviçais do poder civil e das autoridades partidárias, nada mais representam a não ser exemplos antigos de obediência e disciplina, valores nostálgicos que nada valem hoje em dia.
Não existem mais greves porque os sindicatos e órgãos de representação dos estudantes estão amordaçados pelo suborno governamental e os empregados privados nada podem reivindicar, porque o fantasma do desemprego é permanente e por demais palpável para ser desafiado. Greve no Brasil só de funcionários públicos, com salários e empregos garantidos...
Nosso judiciário também continua o mesmo: agilíssimo contra os pobres e lento e soberbo a favor dos ricos. Os maiores escritórios de advocacia encarregam-se de liderar a distribuição de renda, conseguindo tomar dos ricos o dinheiro necessário para que estes continuem em liberdade, gozando da impunidade e dos nobres institutos de julgamento por tribunais superiores.
Nesse quadro burlesco, o partido majoritário recria-se a cada dia, no tsunami da corrupção. Um escândalo sucederá outro e – podem crer, assustados leitores – nada, absolutamente, irá acontecer. O apanhado aqui, com a mão na botija, poderá até ser demitido, mas será rapidamente substituído por outro do mesmo jaez, para cumprir a mesma função. E a caudal de submissão ao dinheiro ficou tão poderosa que carrega os órgãos públicos de roldão: nada consegue suportar a majestade da concupiscência e luxúria no país. E o povão no fundo aprendeu a adorar os corruptos, considerando o mote: “quanto mais ladrão mais querido”, como já disse até, com espírito de síntese, uma experiente deputada carioca...
Vejam o que ocorre com as obras da futura Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016! É muito simples: o governo deixará tudo para a última hora para gerar a urgência e o cancelamento das licitações previstas na arrombada lei nº 8.666, com o necessário superfaturamento das obras. Entrarão em ação as manjadas empreiteiras e a teia vasta de favorecimentos que garantirão, em seguida, o pagamento das propinas para a farra eleitoral dos “socialistas de mercado” que queiram se eleger logo depois. Todo o processo naturalmente consagrado pelas leis e resoluções da ingênua Justiça eleitoral e pelo voto eletrônico sem recibo dos eleitores.
Assim, vemos no Brasil a legítima morte de toda e qualquer ideologia. Qualquer corpo de valores teve mesmo que morrer para que seja mantido a qualquer custo o governo que conhecemos. E vale o escrito, onde “está tudo dominado”, num funil restrito e dividido entre os que estão roubando e os que querem roubar. E nós, pobre povo, somos o resto, sem diferença...
Como Deus é brasileiro, nunca neste país haverá juízo final, apenas um dilúvio fecal. É isso aí...
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*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e adora ficção científica.
Teresópolis, 29 de maio de 2011.
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