por Mac Margolis
Há uma
boa distância entre Lima, no Peru, e Tunísia, mas Hernando de Soto achou um
atalho. Faltava apenas combinar o olhar apurado desse economista peruano com a
Primavera Árabe. Agora, a dobradinha inusitada pretende repaginar a economia e
talvez as relações sociais de boa parte dessa terra conflagrada com uma
proposta tão absurdamente simples quanto ousada: capitalismo de mercado.
As ideias desse filósofo do desenvolvimento limenho, as Américas já conhecem. Em seus títulos pioneiros - O outro Sendero e O Mistério do Capital -, ele radiografou as economias do mundo emergente e concluiu que, para as sociedades com altas taxas de miséria e produtividade baixa, o remédio está na enfermidade.
Em vez de reles pobres e marginais, Hernando de Soto enxergou empreendedores frustrados submersos no mercado informal. A senha para sua redenção passa pela propriedade. Dê-lhes títulos legais para suas casas, carteira assinada e alvarás para conduzir seus negócios e sairão das sombras para oxigenar toda a economia.
Enfim, diriam os latino-americanos. Há anos, afinal, economistas avisam que sem a formalização não há salvação. No entanto, a ligação com a convulsão árabe é nova e reveladora. Para entendê-la melhor, Hernando de Soto foi ao epicentro, a Sidi Bouzid, a pequena cidade do interior tunisiano onde morava Mohamed Bouazizi, com quem tudo começou.
Foi esse jovem camelô de verduras e frutas que discutiu com fiscais locais, teve sua mercadoria confiscada e ainda levou uma tapa na cara de uma policial. Uma hora depois, cobriu-se de solvente e dedilhou um isqueiro.
Sua morte acendeu a Primavera Árabe, que já derrubou três ditadores. Seu martírio mobiliza desde a juventude islâmica, que viu no mascate tunisiano um jihadista matuto, até o movimento anticapitalista Ocupe Wall Street, que o elegeu como símbolo máximo. Todos erraram.
Soto foi à Tunísia buscar fatos. Bouazizi, descobriu o economista, não foi ativista. Mal acompanhava o noticiário e jamais teve militância política ou religiosa e dedicava-se a sustentar uma família de sete. Era, sim, um comerciante frustrado que, para não pagar propina aos fiscais, almejava uma licença da prefeitura para tocar seu negócio regularizado.
Sonhava em comprar uma caminhonete Isuzu, mas sem escritura registrada não tinha como oferecer sua casa como garantia de um empréstimo bancário. O confisco das autoridades o arruinou. "Era igual a um magnata de Wall Street que perde tudo e se joga do prédio", diz Soto.
Mohamed não queria a revolução, só a inclusão na economia de mercado. Assim como centenas de milhares de outros. Nas semanas após sua morte, outras 48 pessoas se imolaram. "Todos eram empreendedores informais. Também tiveram suas mercadorias apreendidas", diz Soto. "A Primavera Árabe é, principalmente, uma revolta econômica."
Bem antes do martírio, os lideres tradicionais árabes - reis, mulás e sultões - já pressentiam o perigo. Com milhões de súditos pobres e sem saída, quantos homens-bomba iguais a Mohamed existiriam em seus reinados? Por isso, os poderosos chamaram Hernando de Soto. A Primavera Árabe falou mais alto.
No momento, o economista peruano se debruça sobre o Egito. O ditador Hosni Mubarak foi-se e hoje a conversa é com a Irmandade Muçulmana. Os ironistas tomaram nota. O maior evangelista do capitalismo popular de mercado assessora o Islã fundamentalista que já pregou o fim o materialismo ocidental e a destruição das Torres Gêmeas.
Só que ambos sabem que a única forma de salvar uma geração de jovens desesperados é oferecer-lhes não a jihad, mas uma oportunidade. Riqueza não falta. Só no Egito a economia informal movimenta US$350 bilhões - quatro vezes mais do que a bolsa de valores do país.
Trazer à tona essa fortuna submersa seria um salto para esse país de 80 milhões de habitantes e um exemplo para o mundo emergente. No Peru, entre 1997 e 2010, o preço médio de uma casa de favela quadruplicou, graças à formalização da economia.
Não será fácil. Formalizar a economia esbarra em grandes lobbies e feudos incrustados, dos militares a empresários preferidos, que lucram com a burocracia que sufoca o restante. Mas deixar como está tampouco é viável. Senão, tudo pode acabar em cinzas.
As ideias desse filósofo do desenvolvimento limenho, as Américas já conhecem. Em seus títulos pioneiros - O outro Sendero e O Mistério do Capital -, ele radiografou as economias do mundo emergente e concluiu que, para as sociedades com altas taxas de miséria e produtividade baixa, o remédio está na enfermidade.
Em vez de reles pobres e marginais, Hernando de Soto enxergou empreendedores frustrados submersos no mercado informal. A senha para sua redenção passa pela propriedade. Dê-lhes títulos legais para suas casas, carteira assinada e alvarás para conduzir seus negócios e sairão das sombras para oxigenar toda a economia.
Enfim, diriam os latino-americanos. Há anos, afinal, economistas avisam que sem a formalização não há salvação. No entanto, a ligação com a convulsão árabe é nova e reveladora. Para entendê-la melhor, Hernando de Soto foi ao epicentro, a Sidi Bouzid, a pequena cidade do interior tunisiano onde morava Mohamed Bouazizi, com quem tudo começou.
Foi esse jovem camelô de verduras e frutas que discutiu com fiscais locais, teve sua mercadoria confiscada e ainda levou uma tapa na cara de uma policial. Uma hora depois, cobriu-se de solvente e dedilhou um isqueiro.
Sua morte acendeu a Primavera Árabe, que já derrubou três ditadores. Seu martírio mobiliza desde a juventude islâmica, que viu no mascate tunisiano um jihadista matuto, até o movimento anticapitalista Ocupe Wall Street, que o elegeu como símbolo máximo. Todos erraram.
Soto foi à Tunísia buscar fatos. Bouazizi, descobriu o economista, não foi ativista. Mal acompanhava o noticiário e jamais teve militância política ou religiosa e dedicava-se a sustentar uma família de sete. Era, sim, um comerciante frustrado que, para não pagar propina aos fiscais, almejava uma licença da prefeitura para tocar seu negócio regularizado.
Sonhava em comprar uma caminhonete Isuzu, mas sem escritura registrada não tinha como oferecer sua casa como garantia de um empréstimo bancário. O confisco das autoridades o arruinou. "Era igual a um magnata de Wall Street que perde tudo e se joga do prédio", diz Soto.
Mohamed não queria a revolução, só a inclusão na economia de mercado. Assim como centenas de milhares de outros. Nas semanas após sua morte, outras 48 pessoas se imolaram. "Todos eram empreendedores informais. Também tiveram suas mercadorias apreendidas", diz Soto. "A Primavera Árabe é, principalmente, uma revolta econômica."
Bem antes do martírio, os lideres tradicionais árabes - reis, mulás e sultões - já pressentiam o perigo. Com milhões de súditos pobres e sem saída, quantos homens-bomba iguais a Mohamed existiriam em seus reinados? Por isso, os poderosos chamaram Hernando de Soto. A Primavera Árabe falou mais alto.
No momento, o economista peruano se debruça sobre o Egito. O ditador Hosni Mubarak foi-se e hoje a conversa é com a Irmandade Muçulmana. Os ironistas tomaram nota. O maior evangelista do capitalismo popular de mercado assessora o Islã fundamentalista que já pregou o fim o materialismo ocidental e a destruição das Torres Gêmeas.
Só que ambos sabem que a única forma de salvar uma geração de jovens desesperados é oferecer-lhes não a jihad, mas uma oportunidade. Riqueza não falta. Só no Egito a economia informal movimenta US$350 bilhões - quatro vezes mais do que a bolsa de valores do país.
Trazer à tona essa fortuna submersa seria um salto para esse país de 80 milhões de habitantes e um exemplo para o mundo emergente. No Peru, entre 1997 e 2010, o preço médio de uma casa de favela quadruplicou, graças à formalização da economia.
Não será fácil. Formalizar a economia esbarra em grandes lobbies e feudos incrustados, dos militares a empresários preferidos, que lucram com a burocracia que sufoca o restante. Mas deixar como está tampouco é viável. Senão, tudo pode acabar em cinzas.
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