Veja: Em 2006,
o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, transformou
em réus quarenta petistas e aliados. Eles operavam o que foi caracterizado na
denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal de “sofisticada organização
criminosa”, encabeçada pelo ex-ministro José Dirceu. Agora, com a proximidade
do julgamento, o ex-chefe do Ministério Público afirma que a tentativa de negar
a existência do mensalão é uma afronta à democracia.
O senhor sofreu pressão para não
apresentar a denúncia do mensalão?
Não. Minha postura reservada sempre inibiu qualquer atitude desse tipo. Nunca assumi nenhum compromisso com as autoridades que me procuraram. Fiz meu trabalho da forma mais precisa e célere possível. Tinha 100% de convicção formada. Conseguimos fazer a relação entre os fatos e montamos o quebra-cabeça do esquema, tudo em cima de documentos, de provas consistentes.
O PT tem se dedicado a difundir a
versão de que o mensalão não passa de uma farsa…
Chamar
esse episódio de farsa é acusar o procurador-geral e os ministros do Supremo de
farsantes. Dizer que aqueles fatos não existiram é brigar com a realidade, é
querer apagar a história. Esse discurso não produzirá nenhum efeito no STF. Os
ministros vão julgar o processo com base nos autos. E há inúmeras provas de
tudo o que foi afirmado na denúncia. Depoimentos, extratos bancários, pessoas
que foram retirar dinheiro e deixaram sua assinatura.
O senhor se sente incomodado com
isso?
Na democracia, todas as pessoas estão sujeitas à fiscalização, ao controle, à responsabilização, e há órgãos dispostos a isso. Não serão os partidos políticos nem seus dirigentes que vão dizer o que é crime e o que não é crime. Quando eles querem transmitir um ar de que não aconteceu nada, estão indo para o reino da fantasia. Negar a existência do mensalão é uma afronta à democracia.
Como o senhor vê as afirmações do
atual procurador-geral, Roberto Gurgel, de que está sofrendo ataques de
mensaleiros com medo do julgamento?
Se ele fez essa acusação, preciso admitir que tem elementos para justificá-la. A CPI está se preocupando com um assunto que não tem relevância para o seu trabalho. O procurador-geral avaliou que a Operação Vegas não produziu evidências suficientes para pedir indiciamentos, mas não arquivou o inquérito - inclusive a pedido da Polícia Federal - para não prejudicar o andamento das investigações da Operação Monte Carlo. E a estratégia se mostrou bem-sucedida.
Está comprovado que o PT utilizou
dinheiro público no mensalão?
Quem vai fazer esse juízo é o Supremo. Da perspectiva de quem fez a denúncia e acompanhou o processo até 2009, digo que existe prova pericial mostrando que dinheiro público foi utilizado. Repito: há prova pericial disso. E o Supremo, quando recebeu a denúncia, considerou que esses fatos têm consistência.
O ex-ministro José Dirceu afirma
que o senhor o apontou como chefe de uma organização criminosa para se vingar
do fato de ele nunca tê-lo recebido na Casa Civil.
Nunca tive nenhum interesse em falar com ele. A minha escolha como procurador-geral foi feita pelo presidente da República. Uma denúncia é formalizada somente se há elementos probatórios sobre uma conduta criminosa. Sentimentos pessoais não entram
Como o senhor vê essa tentativa
de usar a CPI para desviar o foco do julgamento do mensalão?
É normal que quem está denunciado fique tenso às vésperas do julgamento. O julgamento no Supremo Tribunal Federal é uma decisão definitiva. Vivemos num país democrático, num estado de direito. O Supremo jamais faria um justiçamento, vai fazer um julgamento. Tem prova, tem condenação; não tem prova, não tem condenação.
O que o senhor achou da
iniciativa de alguns parlamentares de tentar usar uma CPI para investigar a
imprensa?
A imprensa não faz processo penal, a imprensa dá a notícia, dá a informação. Parece mais um meio de desviar a atenção do inquérito fundamental.
Os acusados tentam reduzir o caso
a um crime eleitoral. É uma boa estratégia?
A referência que fazem é que a movimentação de dinheiro tinha origem em caixa dois de campanha. Do ponto de vista ético e jurídico, isso não altera nada. Quando há apropriação do dinheiro público, não é a sua finalidade que vai descaracterizar o crime. No processo do mensalão, temos imputação de crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, ativa, peculato, evasão de divisas, quadrilha, falsidade ideológica. Crimes assumidamente confessados. Eles não podem deixar de admitir.
O governo passado indicou a
maioria dos ministros que, agora, vão julgar muitos de seus aliados. Isso pode
influir de alguma maneira no resultado?
Uma pessoa, quando aceita ocupar o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, sabe das responsabilidades que tem e vai cumpri-las. Toda a sociedade espera um julgamento justo e correto. Que esse processo sirva para o amadurecimento da democracia.
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