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26 de jan. de 2013

A Língua da Poesia


por Ângelo Monteiro

A breve e límpida apresentação de Fábio de Andrade ao segundo livro de Bernardo Souto, Teatro de sombras consegue destacar dois elementos implicados em sua poética: uma língua de sombra a perpassar esse teatro, oculta no silêncio por trás das palavras, e a distinção fundamental entre esse dizer instantâneo, próprio da poesia, e um certo minimalismo em moda, de que serve de exemplo o pífio poema-piada. O poeta não esquece, para isso, o vaticínio da serpente, nietzschianamente presente no seu retorno à terra, e daí não se negar à sua lição:

Aprende o voo-flecha do peixe
e vislumbrarás o eterno.

Impelido pela força de cada canto o poeta não se cansa de "erigir/estátuas/de vento", mas são essas estátuas, em sua contínua formação, por meio da palavra, que vão dar sentido ao itinerário perseguido por ele, que não para de refletir o próprio movimento das coisas em direção à linguagem. Narciso é a imagem mais constante com que se depara toda busca humana, já que nenhum buscador deixará de dizer: "Sou estátua/ fitando/ o espelho". Quem de nós não se encontra permanentemente em luta entre o apelo de Narciso de se voltar para a própria face, e o desejo de ser por alguém escutado, embora saibamos que, ao fim de tudo, "nunca/ ninguém/ jamais/será escutado"? Ou nos consolamos com a descoberta do lado ignorado de nossa face, ou tentamos em vão ser compreendidos a partir da mensagem da qual nos julgamos fiéis depositários.

Mas insistimos em procurar a palavra não apenas enquanto meio de comunicação e, sim, como via de acesso capaz de nos irmanar com as demais coisas, levando-nos a outras formas de relação. Por isso nos diz Bernardo Souto:

só agora compreendo
o estranho idioma dos pássaros.

Pois é justamente esse idioma, que une o voo ao canto, que vai nos permitir a passagem para além dos limites em que nos estreitamos: é ele que nos fará chegar à língua da sombra e, por ela, ao estatuto mais íntimo de toda realidade, àquele estatuto por acaso pressentido por Hans Christian Anderson quando escreveu: "É da realidade que moldamos as nossas histórias de imaginação". De igual forma podemos falar da origem de todos os verdadeiros poemas. E como o canto é inseparável do conto – porque em ambos habita o mito – será nosso fado sempre esperar algo da poesia, porque só ela, em suas expressões cada vez mais novas e imprevisíveis, por vir da realidade, detém o poder de restaurá-la, quando não de salvá-la.

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