por Ângelo Monteiro
A
breve e límpida apresentação de Fábio de Andrade ao segundo livro de Bernardo
Souto, Teatro de sombras consegue destacar dois elementos implicados em sua
poética: uma língua de sombra a perpassar esse teatro, oculta no silêncio por
trás das palavras, e a distinção fundamental entre esse dizer instantâneo, próprio
da poesia, e um certo minimalismo em moda, de que serve de exemplo o pífio
poema-piada. O poeta não esquece, para isso, o vaticínio da serpente,
nietzschianamente presente no seu retorno à terra, e daí não se negar à sua
lição:
Aprende o voo-flecha do
peixe
e vislumbrarás o eterno.
e vislumbrarás o eterno.
Impelido
pela força de cada canto o poeta não se cansa de "erigir/estátuas/de
vento", mas são essas estátuas, em sua contínua formação, por meio da
palavra, que vão dar sentido ao itinerário perseguido por ele, que não para de
refletir o próprio movimento das coisas em direção à linguagem. Narciso é a
imagem mais constante com que se depara toda busca humana, já que nenhum
buscador deixará de dizer: "Sou estátua/ fitando/ o espelho". Quem de
nós não se encontra permanentemente em luta entre o apelo de Narciso de se
voltar para a própria face, e o desejo de ser por alguém escutado, embora
saibamos que, ao fim de tudo, "nunca/ ninguém/ jamais/será escutado"?
Ou nos consolamos com a descoberta do lado ignorado de nossa face, ou tentamos
em vão ser compreendidos a partir da mensagem da qual nos julgamos fiéis
depositários.
Mas
insistimos em procurar a palavra não apenas enquanto meio de comunicação e,
sim, como via de acesso capaz de nos irmanar com as demais coisas, levando-nos a
outras formas de relação. Por isso nos diz Bernardo Souto:
só agora compreendo
o estranho idioma dos pássaros.
o estranho idioma dos pássaros.
Pois
é justamente esse idioma, que une o voo ao canto, que vai nos permitir a
passagem para além dos limites em que nos estreitamos: é ele que nos fará
chegar à língua da sombra e, por ela, ao estatuto mais íntimo de toda
realidade, àquele estatuto por acaso pressentido por Hans Christian Anderson
quando escreveu: "É da realidade que moldamos as nossas histórias de
imaginação". De igual forma podemos falar da origem de todos os
verdadeiros poemas. E como o canto é inseparável do conto – porque em ambos
habita o mito – será nosso fado sempre esperar algo da poesia, porque só ela,
em suas expressões cada vez mais novas e imprevisíveis, por vir da realidade,
detém o poder de restaurá-la, quando não de salvá-la.
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