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22 de jan. de 2013

A substância dos genes

por António Piedade


Olhe para a sua mão. 
Cada uma das células da sua pele contem informação genética que herdou dos seus pais. Assim como uma ou outra ruga, escrita na sua pele pelo estilete vida, também essa informação genética foi de certa forma modelada pela sua interação com os lugares por onde o leitor passou, os ares que respirou, a comida que ingeriu, as emoções que viveu.
No núcleo de cada uma dessas células (assim como as de todo o corpo, mas excluindo as células reprodutivas) existem 46 cromossomos agrupados aos pares: cada um dos 23 que herdou da sua mãe emparelhou, desde a fecundação que lhe deu origem, com os homólogos 23 que recebeu do seu pai.


Cada cromossomo contem os genes onde estão inscritas as informações para a forma da sua mão, assim como para as proteínas fotorreceptoras que estão na sua retina e que permitem que esteja a ler este texto. De resto, os 46 cromossomos contém a grande maioria dos genes que instruem a maquinaria proteica a ser o que somos na nossa relação com o ambiente e com os outros seres que coabitam connosco nesta lágrima de tempo que é a nossa existência.
Escrevi a grande maioria porque nem todos os genes que nos permitem a vida estão nos cromossomos dos núcleos celulares. Cada célula possuiu inúmeras organelas chamadas mitocôndrias, que herdamos por via materna e que possuem, cada uma, um cromossomo com genes também com informação preciosa para a nossa vida. Bem preciosa, até porque as mitocôndrias são autênticas centrais energéticas e metabólicas dentro das células.
Mas voltemos aos cromossomos. Eles são uma complexa estrutura composta por uma longa molécula de ácido desoxirribonucleico, vulgarmente designada por ADN, e por diversas proteínas com diversas funções.
 
Desde os trabalhos de James Watson, Francis Crick, Rosalind Franklin e Maurice Wilkins, nos primeiros anos da década de cinquenta do século XX - que culminaram com a resolução da estrutura do ADN - que construímos e desenvolvemos uma genética e biologia moleculares modernas assentes numa hélice dupla para a molécula dos genes.
Comemoram-se em 2013 os 60 anos da descoberta dessa estrutura em dupla hélice para o ADN das nossas vidas. Foram 60 anos de avanços inigualáveis na compreensão de como a vida se organiza e funciona. Em 1953, a estrutura foi desvendada a partir da técnica da cristalografia por difração de raios X.

Cristalografia por difração de raios X de um cristal de um sal de ADN.

O padrão registado na "radiografia" efetuada por Rosalind Franklin de um determinado cristal de ADN é ainda hoje um ícone, mas a sua interpretação requer conhecimento especializado. Os nossos olhos não conseguem fazer a transposição entre essa imagem e a da dupla hélice. Mas o modelo proposto por Watson e Crick foi fundamental para a revolução genética a que assistimos nas últimas seis décadas.

Esquema para a dupla hélice de ADN

60 anos depois, o avanço da nanotecnologia e da microscopia eletrônica permitiu, finalmente, “ver” e confirmar a estrutura em dupla hélice para o ADN. Investigadores do Instituto Italiano de Tecnologia liderados por Enzo di Fabrizio publicaram na revista “NanoLetters” as novas imagens por eles obtidas e que o leitor também pode ver a seguir.

Microscopia eletrônica de varrimento de uma molécula de ADN. Os passos sucessivos da hélice estão assinalados pelas setas vermelhas. Créditos Enzo di Fabrizio.

O aspecto mais compacto da dupla hélice aqui visto é o esperado para a molécula de ADN desidratada, com uma distância entre cada volta ou passo da hélice (entre as setas) de 2,7 nanômetros (1 nanômetro = um milionésimo de milímetro).

Apesar de não corresponder ao que se espera ser a sua conformação nas condições fisiológicas existentes no interior dos cromossomos no núcleo das células, é preciso recordar que o sal de ADN utilizado por Rosalind Franklin para cristalizar o ADN e que levou à proposta por Watson e Crick da sua estrutura helicoidal, também não se encontrava em condições fisiológicas.

E, contudo, desenvolveu a ciência numa espiral sem precedentes de novos conhecimentos sobre a vida. 

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