por Felipe Melo
O Foro de São
Paulo tem avançado em praticamente todos os campos em que se dispôs a atuar e,
com exceção de algumas incansáveis iniciativas ainda isoladas (e constantemente
ignoradas pelos veículos de informação e o público geral), sua própria
existência tem passado despercebida.
O Partido dos
Trabalhadores governa oficialmente o Brasil desde 2003, quando Lula foi eleito
presidente. Em dez anos, nunca antes da história deste país viu-se tanto
desmando, tanto desbunde, tanto desbrio, tanto descalabro, tantos desvios de
verbas e de caráter. O PT teve a proeza de destronar da vida pública de modo
praticamente definitivo todas aquelas características que eram vistas, desde os
idos da Grécia clássica, como essenciais para o exercício da política: verdade,
hombridade, maturidade, honra e honestidade. Se antes aqueles que se desviavam
dessa linha-mestra eram vistos como incidências abjetas na vida política
brasileira, hoje o próprio desvio é que se transformou em linha-mestra.
Por mais que se
repise essa constatação, há grande resistência por parte de uma multidão (para
não dizer manada) de gente bem-intencionada, excessivamente ingênua e
facilmente enganável, em admitir que, na última década, o nosso país piorou sob
todos os aspectos – político, econômico, social, jurídico e cultural. O PT
ainda é diuturnamente tratado como a grande vítima das próprias impropriedades
que cometeu, como se os planos meticulosamente traçados para se obter e manter
o poder no Brasil fossem ora apenas deslizes cometidos por uma minoria
aloprada, ora métodos tortos cujo objetivo era apenas garantir o bem do povo ao
se buscar a perpetuação do partido no governo. Há
um sem-número de
documentos emitidos pelo próprio PT que indica de maneira incontestável o
projeto de poder do partido. O radicalismo socialista troglodítico foi
substituído por um radicalismo socialista sofisticado, cheio de finesse e com
ares de alta intelectualidade, mas o objetivo continua sendo um e o mesmo:
enredar a nação em seus tentáculos pegajosos indefinidamente. Esse afã pelo
poder não é um "privilégio" apenas do Partido dos Trabalhadores aqui
no Brasil: diversos outros partidos, organizações, institutos e que tais, aqui
e lá fora, possuem o mesmo objetivo, e, ao contrário do que a insistência extraordinariamente
estúpida de um exército de analistas e experts garante, esse objetivo é
perseguido de modo muito bem articulado a nível internacional. A própria
existência de uma organização como o Foro de São Paulo é, de per si, prova
cabal desse fato. Aliás, o próprio documento preparado pelo
PT para o
XVIII Encontro do Foro de São Paulo, que ocorre em Caracas ao longo dessa
semana, é mais uma peça que explicita, naquela típica linguagem melifluamente
"progressista e de esquerda", os objetivos do PT. Todas as citações
que aqui farei são traduções livres de trechos do documento do partido, que foi
divulgado em língua hispânica. O primeiro
grande destaque do documento é a defesa da necessidade de se
instrumentalizar organizações variadas da sociedade civil para que o PT
continue no comando da nação. Nesse sentido, o documento afirma que "o PT
terá de dedicar-se com mais empenho a organizar as camadas populares, em
particular os trabalhadores assalariados, em sindicatos, movimentos populares
urbanos e rurais, associações femininas, movimentos de juventude, instituições
desportivas e culturais, e em um sem-número de formas criadas por iniciativa
das classes e camadas populares." Quem aponta isso é o próprio presidente
nacional do partido, Rui Falcão, que complementa:
Somente com a
participação ativa dessas camadas populares, o PT e o governo poderão vencer as
resistências que os setores conservadores, na sociedade, no Congresso e
inclusive em setores do aparato do Estado, interpõem às reformas indispensáveis
ao plano de desenvolvimento econômico e social que façam do Brasil um país
verdadeiramente soberano, independente, e com um povo material e culturalmente
avançado.
Notem que
"PT" e "governo" são utilizados como se fossem a mesma
coisa, partes indissociáveis do mesmo organismo. Esse tom é mantido ao longo de
todo o documento: o Partido dos Trabalhadores é visto indisfarçavelmente como o
único membro legítimo do governo – ou seja, o PT é o governo. Essa visão é
acompanhada sempre e em toda parte pela defesa da superioriedade moral do
partido, uma vez que ele é o único que pode tornar o Brasil "culturalmente
avançado".
O PT – que, à
guisa de personagem orwelliana, será doravante denominado apenas por Partido,
com maiúscula – não objetiva, entretanto, o governo, e quem lembra isso muito
bem é Iole Ilíada, secretária de relações internacionais do Partido. A
conquista do governo não garante a conquista do poder – algo que, segundo
Gramsci, dependia da correlação de forças (rapporti di forze) entre burguesia e
proletariado. O objetivo do Partido no governo seria, portanto, atuar na
alteração da correlação de forças, ou seja, "deslocar a burguesia como
classe hegemônica e dominante" e "transferir poder (em suas várias
formas: político, econômico, cultural etc.) às classes trabalhadoras". O
Partido, como já se desconfiava, não está no governo para melhorar a vida da
população e trabalhar efetivamente para o desenvolvimento nacional: "vale
a pena ser governo quando a esquerda é capaz de usar sua presença como um fator
de deslocamento da correlação de forças a favor dos trabalhadores". E Iole
é enfática: "Não se trata aqui de pensar em uma alteração da correlação de
forças que gradualmente nos conduza do capitalismo ao socialismo, mas em um
processo de acumulação de forças que, em algum momento, pode tornar possível a
ruptura desejada."
Há um nome que
define muito bem a "ruptura desejada" que o Partido tanto almeja:
revolução. Não falamos aqui daquela revolução tradicional, com sublevação
armada e derramamento de sangue, ao modo das revoluções francesa e russa, mas
de revolução cultural, estrutural, gramsciana. Continua Iole:
O reconhecimento
dessa falta de transferência efetiva de poder aos trabalhadores é importante
porque a presença da esquerda no governo pela via eleitoral, por mais que a
queiramos duradoura, pode ser transitória. Isso faz com que seja necessário que
as mudanças se convertam em transformações estruturais, de difícil reversão por
parte de governos de direita que nos possam suceder. Mais ainda, tal reconhecimento
é importante para ampliar a consciência e a capacidade de organização,
intervenção social e luta dos trabalhadores, de modo que a acumulação de forças
possa apontar para a necessidade de conquistar não apenas o governo, mas também
o poder.
Extrapolando o
contexto nacional, o partido reafirma em quase todos os parágrafos do documento
ao XVIII Encontro do Foro de São Paulo seu compromisso com a integração
regional – não de países, não de nações, mas de organizações
"progressistas e de esquerda", de modo a formarem uma plataforma
comum com engrenagens bem azeitadas que girem na sincronia necessária para
tingir de rubro todo o subcontinente. Renato Simões, secretário de movimentos
sociais do Partido, explica como isso é visto (e quisto) pelo Partido:
Em sua grande
maioria, os partidos progressistas e de esquerda da América Latina se organizam
no Foro de São Paulo, cuja influência política vem crescendo, ano após ano,
para suas responsabilidades partidárias, seja como membros de governos eleitos,
seja como as principais forças de oposição a governos neoliberais. [...] Em vários países, os movimentos sociais buscam avançar em sua
organização, superando fragmentações e pulverizações marcadamente impostas pela
hegemonia neoliberal. Eles buscam eixos políticos mais nítidos e unificados
para incidir na correlação de forças na sociedade e frente aos governos
nacionais. No Brasil, há um importante esforço no sentido de consolidar a CMS –
Coordenação dos Movimentos Sociais, que hoje integra os movimentos sociais mais
representativos do país. [...] A recente
instalação de
uma Comissão de Movimentos Sociais junto ao Grupo de Trabalho do Foro de São
Paulo mostra que estamos atentos aos desafios de consolidar estruturas próprias
para o diálogo partidário com os governos e movimentos sociais. Como disse a
companheira Dilma Rousseff em seu discurso ao Diretório Nacional do PT, antes
de assumir a presidência da República, em um terceiro período de governo é
essencial aceitar as relações entre o Partido, o Governo e os Movimentos
Sociais, trincheiras de uma mesma luta, espaços estratégicos para um mesmo
projeto, essencial para a transformação de nossa sociedade.
Uma vez mais,
tocamos aqui na simbiose orgânica necessária para a conquista do poder no
Partido e sua manutenção: comandar o governo e cooptar os movimentos sociais. O
que se busca é a pura instrumentalização ideológica de todos os meios
disponíveis para que o Partido tenha controle total e irrestrito sobre a nação.
Essa conclusão não é fruto de um delírio que brota de uma mente conservadora
(e, portanto, patologicamente perturbada), mas apenas de simples interpretação
de texto: é isso o que está escrito, e de modo claro e cristalino. No entanto, a conquista da hegemonia, dentro da visão
gramsciana
que permeia o Partido integralmente, só se pode dar de modo seguro e duradouro
através da atuação de intelectuais orgânicos – "intelectuais que, além de
especialistas na sua profissão, que os vincula profundamente ao modo de
produção do seu tempo, elaboram uma concepção ético-política que os habilita a
exercer funções culturais, educativas e organizativas para assegurar a
hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam (Gramsci, 1975,
p. 1.518). Conscientes de seus vínculos de classe, manifestam sua atividade intelectual
de diversas formas: no trabalho, como técnicos e especialistas dos
conhecimentos mais avançados; no interior da sociedade civil, para construir o
consenso em torno do projeto da classe que defendem; na sociedade política,
para garantir as funções jurídico-administrativas e a manutenção do poder do
seu grupo social" (SEMERARO, 2006).
Como garantir,
então, que haja tais intelectuais orgânicos que, ao longo das décadas, atuem
para a conquista e a manutenção do poder por parte do Foro de São Paulo? Carlos
Henrique Árabe, secretário de formação do Partido, relembra que, durante o XV
Encontro do Foro de São Paulo, no México, ocorreu a primeira reunião de escolas
e fundações do FSP, que apontou para a necessidade de "abordagem,
vinculação, intercâmbio e cooperação entre as fundações, universidades, escolas
de formação e outras entidades educacionais e de treinamento dos partidos
integrantes do Foro de São Paulo, nas áreas de investigação, formação e
divulgação." O objetivo central eleito pelas organizações que participaram
dessa reunião foi a criação da Escola Latinoamericana de Formação Política, uma
universidade internacional do Foro de São Paulo para a formação de quadros
partidários, lideranças de ONGS e movimentos sociais e, de modo particularmente
especial, intelectuais orgânicos. O
Foro de
São Paulo tem avançado em praticamente todos os campos em que se dispôs a atuar
e, com exceção de algumas incansáveis iniciativas ainda isoladas (e
constantemente ignoradas pelos veículos de informação e o público geral), sua
própria existência tem passado despercebida. O assessor especial da Presidência
da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, um dos
artífices do documento do Partido para o encontro do FSP, faz questão de
lembrar: "As mudanças profundas que vêm experimentando nossos países há
anos, sobretudo onde as esquerdas estão no governo, são resultado de dinâmicas
internas, evidentemente. No entanto, elas também são consequências de um
processo político coletivo que teve no Foro um lugar privilegiado."
A UNASUL (União
das Nações Sul-Americanas), a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e
Caribenhos), a Telesur, a ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa
América), todas essas iniciativas foram gestadas no ventre do Foro de São
Paulo. Todas as ações desses grupos são unívocas e convergem para o mesmo
objetivo: o controle total do subcontinente americano por uma verdadeira
camarilha de genocidas em
potencial. Quando se atam os elos soltos, que aparentemente
nada tem a ver uns com os outros, vê-se com clareza quão bem se encaixam e como
a corrente que formam é coesa e aprumada. E é justamente a ausência de qualquer
esforço em larga escala para divulgar os planos do Foro de São Paulo que faz do
(ingrato) trabalho daqueles que se propõem a monitorar os passos desse grupo
algo tão precioso e necessário. E é um trabalho que precisa melhorar: devemos
aumentar a capilaridade do fluxo de informações sobre o Foro de São Paulo e
estimular outras iniciativas (dentro e fora do Brasil) que objetivem ao
desmascaramento do grupo.
Já escrevi em
outros textos e volto a afirmar: estamos em guerra. Cedo ou
tarde, ela baterá com força à nossa porta, e, aí, já não poderemos fazer mais
nada.
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