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21 de mar. de 2010

Ação política

Trata-se de construir, não a realidade, que ela não é nossa, mas um abrigo, onde possamos a ela sobreviver. E sobrevivência, como sabemos, significa adaptação.

Não sabemos o que é a realidade, quando a observamos com nossa parte mais lúcida.
Nossa espécie, que já conta aproximadamente duzentos mil anos de história e pré-história, vem desvendando-a num ritmo crescente, mas não dispomos de um referencial para avaliar o estado de nossa progressão, no âmbito total do percurso.

Somos fruto do acaso, na vasta experiência vital ora em curso na natureza?
Acho que não; é muito mais provável, até por haver um curso, a existência objetiva do impulso que o gerou.

Não parece mágica a estreitíssima margem das condições ambientais vigentes, que permitem a existência das espécies nas suas formas atuais?
Acho que sim, inacreditável até, se levarmos em conta a multiplicidade de fatores - temperatura, pressão, teor exato de oxigênio na atmosfera, inclinação ótima do eixo de rotação terrestre, órbita apropriada em relação ao Sol..., que concorrem para a viabilização do que temos.

Alterando-se ao longo do tempo, gradativamente, os limites da faixa de compatibilidade vital, - e com isso, simultaneamente, através de pequenas e cumulativas mutações, também as espécies sobreviventes às novas condições -, a que outras formas poderemos evoluir? Ou nosso repertório de mutações possíveis não será suficiente para acompanharmos as do ambiente?

Certamente, não são questões para resposta imediata, mas utilizo-as para dar o enquadramento que julgo necessário ao tema proposto: a ação política. Pois a esta tudo pode faltar, menos a devida adequação à realidade.

Ocorre que sempre há uma definição da realidade por trás da concepção de uma ordem social e de suas decorrentes ações políticas. E como todas as definições da realidade são insuficientes, precisamos cravar um marco de referência no limite desse abismo, para evitar adentrarmos às construções ideológicas que pretendam haver alcançado o horizonte final.

Não temos uma situação estática e definida - e nem tempo suficiente - para construirmos o templo definitivo da humanidade, belo, imutável e eterno. Estamos envolvidos e impregnados pela dinâmica que se observa em todo o universo. Nossa origem é obscura e nosso destino é incerto. Somos uma ponte entre o passado e o futuro. Somos o presente, e a direção do nosso próximo passo já trará em si a consequência dessa escolha. Não podemos nos dar ao luxo de errar o caminho.

E no entanto..., estamos perdidos.
Como dizia o Chapolim Colorado, "- E agora, quem virá nos socorrer?"

Acontece que essa "perda" é necessária, se o que perdermos for a fixação numa descrição. Pois só assim podemos resgatar e ter presente à atenção nossa vinculação com o infinito indeterminado, que é a nossa condição natural.
Estarmos "encontrados" no âmbito de uma concepção, termos uma identidade referida a uma ordenação social, vermos a nós mesmos como pertencentes a um grupo, tudo isso é necessário, mas não essencial. E se o que perdermos for justamente o essencial, estaremos então presos ao pragmatismo das necessidades, só podendo agir politicamente em prol de causas limitadas.

Ação política não é só a ordenação da polis, administrando seus conflitos e direcionando seus esforços. Muito menos o proselitismo rasteiro que chega a lançar mão da coação, da intimidação e da enganação.
Ação política é a delimitação sempre variável do horizonte de atuação dos agentes públicos, de forma a preservar o valor de sobrevivência da ordem social, mas sem com isso impedir os agentes privados de desenvolverem seus vínculos com a ordem natural.
Passando do abstrato para o concreto: a ordenação desejável deve ser auto-limitada, porém tão abrangente quanto as circunstâncias assim o exigirem; uma vez satisfeitas as exigências circunstanciais, deve então redimensionar-se à nova situação, conter-se e refinar-se, preservando sua autoridade para novas intervenções e abrindo espaço para o livre desenvolvimento das aptidões e talentos individuais, que são, afinal, quem desencadeia o poder de uma sociedade.
A energia da reação provocada pelo somatório dos alinhamentos individuais com a ordem natural, eventualmente, precisa ser moderada pelas barras de grafite da ordem social.
A ação política, nesses termos, é como o controle de uma reação nuclear. Num extremo, desliga o reator; no outro, explode.

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