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1 de mar. de 2010

Fundamental

Está tudo mesmo interligado.
Quero colocar aqui um texto fundamental do Reinaldo Azevedo, até porque esta é minha área preferencial de estudo (tanto o assunto quanto a Sala).
Se houver algum problema com reprodução não autorizada, direitos autorais, etc, parafraseando alguém direi: "eu não sabia".
Mas o Reinaldão que tenha paciência; quero as idéias. O autor pode ficar lá para a Dona Reinalda.
Ah!, esses dilemas capitalistas...
Que venha o Reinaldo:

UMA GUERRA COM QUAIS VALORES?

segunda-feira, 1 de março de 2010 | 4:51

O que restou das esquerdas? A pior parte, que é justamente a parte possível: o amor pela ditadura. O impossível, dado que impossível, foi engolido pela história: a economia socialista foi para o ralo; não há como o mundo voltar àquela experiência ou reformulá-la em novas bases. Nem vou dizer que “a economia de mercado” venceu porque os termos seriam impróprios. A economia socialista foi uma doença, uma catapora, uma gripe que acometeu o organismo. E se foi. Mas não se foram a ilusão e a tentação de criar um ente de razão que possa controlar a sociedade.

Quando certos setores críticos às esquerdas advertem contra a “ameaça socialista” no Brasil, por exemplo, correm o risco, creio, de pregar no vazio. A acusação não encontra ressonância nas ruas ou entre os formadores de opinião. No primeiro caso, porque se trata de uma batalha de difícil tradução e compreensão; no segundo caso, porque as ações concretas do governo Lula, por exemplo, não são avessas à economia de mercado. Ao contrário até: em muitos aspectos, são bastante mercadófilas. E aquele que aponta a “ameaça socialista” corre o risco de ser tachado de irrealista ou paranóico.

Pode-se argumentar que a cara do socialismo, nos dias correntes, é justamente esta: uma aliança das esquerdas com o mercado apátrida e organizações não-governamentais geridas por fundações, que comporiam um grande leque de organizações dispostas a criar uma espécie de sociedade mundial ou coisa do gênero. Bem, o desenho começa a se tornar um tanto opaco, seus traços vão perdendo definição, e a ameaça que se pretende demonstrar vai ficando por demais fluida. Por isso tenho resistido aqui a tratar da “ameaça socialista do PT”, por exemplo. Falo, aí sim, é de seu perfil totalitário.

Participo hoje, como informo acima, de um seminário que vai tratar das ameaças à liberdade de expressão no Brasil — mais leves — e na América Latina, onde pode assumir uma conformação alarmante: Venezuela, Equador e Bolívia, por exemplo. Já nos tempos de Primeira Leitura — ESCREVI EM 2002, E ME ORGULHO DISTO, QUE O PT NÃO FARIA NENHUMA GRANDE BESTEIRA NA ECONOMIA PORQUE JOGARIA FORA SEU PROGRAMA —, sustentava que o maior risco para a democracia não era o PT dar errado, mas dar certo.

Esse “dar certo” se traduzia em seguir as regras da boa governança da economia — o que, de modo geral, o governo Lula faz e fez, ainda que se possa discordar disso ou daquilo —, em andar de acordo com o padrão das modernas economias capitalistas, mas nos cobrando, para isso, um preço bastante elevado. Mailson da Nóbrega, já lembrei aqui, escreveu com acerto na VEJA que não foi o PT que mudou o Brasil, mas foi o Brasil que mudou o PT. No que diz respeito a seu, vá lá, programa econômico, isso é verdade. Mas não é menos verdade, Mailson, que o PT também está mudando o Brasil no que pode — e, no que ele pode mudar, para pior.

Está em curso uma lenta, mas contínua, deterioração na qualidade das instituições e de entidades que representam vozes da sociedade civil. Em setores da Justiça, do Ministério Público, da Polícia Federal, da imprensa, da academia, todo saber, em especial as leis democraticamente instituídas, cedem ao, atenção!!!, “discurso da correção das desigualdades” ou, apelo análogo a este, “discurso de punição das elites”. Há dias, Elio Gaspari saudava um juiz que, jogando no lixo uma decisão do TSE e inventando seus próprios critérios para punir políticos, cassava o prefeito de São Paulo e oito vereadores. Para o jornalista, a medida tinha um aspecto positivo: ajudava a combater a exploração imobiliária na cidade. Um juiz e um promotor, nessa formulação, podem mandar às favas o TSE já que teriam uma colaboração a dar ao Plano Diretor da cidade. Trata-se de uma insanidade.

Este novo “socialismo” (como pretendem alguns) quer, é claro, um estado forte, onipresente, mas não um estado necessariamente empresário — na verdade, quer um “estado patrão”. Mas nada que deixe os potentados do setor financeiro ou da indústria, por exemplo, preocupados. Muitos, ao contrário, têm até bastante simpatia pelos dirigentes da “nova classe social”: eles sabem como oferecer facilidades.

Quem paga o pato — e chegamos ao ponto — é a democracia. Esse novo arranjo não convive bem com a liberdade de expressão, com a pluralidade, com a alternância de poder, com o respeito às leis. Só entende a linguagem da adesão. As leis e os princípios do estado de direito têm importância não mais do que instrumental. Se servirem para o fortalecimento do partido, muito bem. Se não servirem, podem ser desprezados sem solenidade.

E é neste ponto que está a maior dificuldade para um partido de oposição — ou partidos — enfrentar o PT. O descontrole da inflação que marcou os últimos anos do regime militar e que se estendeu Nova República adentro (agravando-se estupidamente) tornou a política brasileira excessivamente refém da economia. O domínio econômico, fundamental para a política, é certo, tornou-se o seu redutor, empobrecendo-a. Tornamo-nos todos, e isto foi um bem, procuradores da estabilidade. Mas também nos fizemos seus funcionários sem imaginação. Basta que alguém a reafirme, e muitos já se dão por satisfeitos. Os petistas passaram mais de duas décadas construindo “valores”; os democratas passaram este mesmo tempo tentando arrumar a casa e matar a inflação. Mas com quais valores? A estabilidade, em si, é um instrumento, não um valor.

Este texto não se esgota aqui. Terei de retomá-lo, é certo. Parece-me importante que tenhamos claro, na disputa deste ano e nas que estão por vir — os petralhas não se animem; pouco importa quem vença, não vou desistir, hehe… —, que é preciso ir além do debate sobre os fundamentos de mercado. As contas públicas podem se deteriorar um pouco mais ou um pouco menos, a inflação pode ser um pouco maior ou um pouco menor, pode-se debater isso ou aquilo do câmbio, o fato é que o intervalo entre os extremos possíveis é muito pequeno.

Mas o orbital em que pode transitar a democracia é gigantesco. Vamos aprimorar as conquistas da Nova República ou vamos escolher uma espécie de peronismo ou PRI modernizados, que não aceita a pluralidade da sociedade porque só pode se exercer plenamente se for totalizante? Não! Eu não acho que essa seja uma linguagem de campanha eleitoral. Já uma guerra de valores se faz absolutamente necessária. Ainda voltarei aqui.


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